São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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A mão invisível na política

ANDRÉ LARA RESENDE

A atividade política é vista, hoje, no mínimo, com desconfiança. Tem-se consciência da necessidade da vida pública e da política, mas a grande maioria parece acreditar que os que a elas se dedicam, fazem-no movidos por interesses específicos, quando não escusos. Poder-se-ia, ainda assim, ser otimista: o jogo de interesses específicos conflitantes levaria ao bem comum -uma versão política do argumento econômico do mercado competitivo.
Há, sem sombra de dúvida, um substrato do otimismo da "mão invisível" na aceitação da democracia como o mero jogo da defesa de interesses específicos. Curioso é que, apesar das vitórias recentes, as críticas e as resistências ao liberalismo econômico são incomparavelmente mais difundidas e mais ruidosas do que as dirigidas ao novo liberalismo político.
O mercado competitivo é um poderosíssimo instrumento de transmissão de informações e de alocação de recursos. Ao que tudo indica, imbatível como forma de organização para a criação de riqueza. Como deveria saber, entretanto, todo estudante do primeiro ano de economia, longe de ser o resultado do livre jogo de forças, trata-se de uma construção tão pouco natural quanto sofisticada. Requer, portanto, um arcabouço jurídico e institucional específico e em permanente revisão.
Quando as mudanças se aceleram, como tem sido particularmente verdade nas últimas décadas, a revisão permanente desse arcabouço, para adaptá-lo à nova realidade, torna-se vital. Essa revisão permanente requer, antes de mais nada, uma profunda compreensão desse idealtipo abstrato, o mercado competitivo, suas potencialidades e suas limitações.
Mas como compatibilizar a imperiosa necessidade de revisão permanente do arcabouço jurídico-institucional, com a aceitação da política como uma mera arena de defesa de interesses específicos? Parece-me haver aí uma dificuldade intransponível. Se na esfera da economia, a realidade do mercado, apesar de relativamente eficiente na criação de riqueza, pode ser profundamente injusta, na política, abdicar da noção do bem comum em nome do livre jogo dos interesses específicos pode levar a graves impasses.
Curioso é que há uma crescente aceitação do jogo político, da dinâmica parlamentar, como a mera defesa de interesses específicos. A política nos Estados Unidos, há tempos, pauta-se essencialmente por este critério. Se lá as consequências perversas ainda não se fizeram evidentes, é justamente porque o arcabouço jurídico-institucional americano, muito mais próximo do modelo adequado às necessidades deste fim de século, ainda não exigiu reformas profundas.
O tema é complexo e chego ao fim sem ter ainda enunciado o motivo imediato de tais reflexões. Trata-se da polêmica em torno da proibição das lotações, dos chamados perueiros, em São Paulo. O vereador Natalício Bezerra, autor do projeto de lei, é presidente do sindicato dos taxistas. A população é contra, mas Bezerra diz não se importar: "Minha imagem foi arranhada, mas não tem problema porque no meu segmento político não perdi votos". Impecável como lógica da nova política.

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