São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Ansiedade financeira

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A turbulência dos últimos dias nos mercados financeiros internacionais realçou, mais uma vez, a fragilidade da posição brasileira. Não é por acaso que muitos observadores estrangeiros incluem o Brasil entre as economias mais vulneráveis a choques financeiros externos. Anos de imprudência na condução da política econômica externa, particularmente no campo cambial, deixaram uma herança pesada de desequilíbrios de difícil correção.
Em 997, diante do crescimento persistente do déficit externo, o governo resolveu modificar um pouco os rumos da política cambial. Passou a ajustar gradualmente a taxa de câmbio em termos reais. Enquanto a inflação caiu para a faixa de 4% ao ano, a desvalorização nominal em relação ao dólar continuou em torno de 7%. Com inflação externa de 2%, o resultado é uma desvalorização real de 5% ao ano. Mantida por três ou quatro anos, essa política reverteria grande parte da valorização acumulada nos últimos anos.
O caminho escolhido pelo governo tem as suas vantagens. Não traz impacto inflacionário significativo, não perturba muito a vida dos setores endividados em dólares e não produz movimentos bruscos que poderiam desestabilizar o programa econômico.
São as razões de sempre para preferir o gradualismo ao tratamento de choque. Infelizmente, nada sai de graça nesse nosso vale de lágrimas.
O preço do gradualismo é a prolongada insegurança. Os efeitos de estímulo às exportações e de desestímulo às importações ficam muito lentos. Enquanto não se materializam, as contas externas continuam frágeis. A economia se mostra especialmente suscetível a ondas de instabilidade financeira como a que atingiu as principais Bolsas de Valores do mundo desde o final da semana passada.
A desvalorização desejada pode, inclusive, não se concretizar, ou não se concretizar plenamente, se outras moedas se desvalorizarem em relação ao dólar, como tem acontecido no passado recente com quase todas as moedas européias, com o iene japonês e com diversas outras moedas do Leste Asiático. Nessas condições, a desvalorização gradual da taxa de câmbio entre o real e o dólar acaba sendo contra-arrestada pela valorização do dólar em relação a outras moedas relevantes para o comércio exterior brasileiro.
O problema de fundo, como se sabe, é o tamanho da sobrevalorização acumulada pelo Brasil. O sintoma mais claro disso está no fato de a economia apresentar déficits externos elevados mesmo quando cresce a taxas modestas, insuficientes do ponto de vista da geração de empregos.
A solução seria, então, acelerar o ritmo das minidesvalorizações reais? Eis aí uma solução enganosamente fácil. Quanto mais rápido o ritmo das minidesvalorizações, maior terá que ser a taxa de juro real interna para manter a atratividade das aplicações em reais. Em outras palavras, se a desvalorização esperada aumenta, o Banco Central é forçado a elevar os juros internos para impedir que um estreitamento do diferencial entre a rentabilidade das aplicações internas e externas provoque saída de recursos do país e ameace o nível das reservas internacionais.
Vejam a armadilha infernal em que nos colocou a política de valorização cambial da fase inicial do Plano Real. Ao gerar um desequilíbrio externo elevado, a sobrevalorização criou uma dependência financeira que obriga o Banco Central a manter juros internos altos não só para atrair os capitais necessários ao financiamento do déficit em conta corrente, mas também para garantir o refinanciamento dos passivos internacionais de curto prazo.
Quando se procura, entretanto, diminuir o desequilíbrio externo com um ajuste gradual do câmbio real, o que se produz é uma pressão adicional sobre as já elevadas taxas internas de juro. É o que está ocorrendo nos últimos meses. E se o Banco Central tentar forçar mais o passo das minidesvalorizações reais, a pressão sobre os juros internos pode se revelar insustentável, especialmente em um ano eleitoral como 1998.
Diante desses dilemas, a tendência natural é cair na inércia ou no gradualismo a passo de tartaruga. Evidentemente, isso só será viável enquanto houver ativos públicos e privados que possam ser vendidos a investidores estrangeiros. E enquanto persistir o quadro de liquidez abundante e taxas de juro baixas nos EUA e em outros centros financeiros internacionais.
Até agora, o Brasil tem conseguido financiar, em geral com certa folga, seus déficits externos. Em tese, essa disponibilidade de capitais estrangeiros deveria propiciar um período de trégua durante o qual caberia tomar providências efetivas de ajustamento.
Ainda há tempo para escapar do desastre. Mas, atenção. Como diria o único inglês da vida real, que por acaso é o nosso ministro da Fazenda, os acontecimentos dos últimos dias sugerem que esse tempo não é infinito.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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