São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Queirós faz crítica social em romance de adultério

FRANCISCO ACHCAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eça de Queirós (1845-1900) foi dos principais responsáveis pela introdução do realismo na literatura portuguesa: "O Primo Basílio" (1878) foi um dos dois livros (sendo o outro "O Crime do Padre Amaro", 1876, também dele) que mais colaboraram para desbancar o romantismo de Camilo Castelo Branco ou Júlio Dinis.
Com esses livros, instalam-se em Portugal novos padrões de arte e de visão da sociedade e da vida, padrões correspondentes à "Idéia Nova" fervorosamente defendida por Antero de Quental e outros escritores portugueses que, não por acaso, foram contemporâneos de Eça de Queirós nas classes de direito da Universidade de Coimbra.
"O Primo Basílio" realiza, no gênero do romance, aquilo que Antero e outros tentaram realizar nas áreas da poesia e da análise de idéias.
O livro é um delicioso quadro da classe média de Lisboa, com inesquecíveis tipos caricatos, como o Conselheiro Acácio e Dona Felicidade, e uma história ao mesmo tempo banal e envolvente.
Luísa vive um casamento morno com seu prosaico marido, o engenheiro Jorge, e se intoxica de fantasias românticas hauridas em livros ou sugeridas nas conversas com sua "devassa" amiga Leopoldina.
No meio de um verão sufocante, durante o qual Jorge faz uma longa viagem de trabalho, Luísa recebe a visita de um primo rico, seu ex-namorado, agora vivendo em Paris, cidade idealizada nos sonhos românticos da moça. Uma velha empregada ressentida a tudo assiste cheia de intenções de vingança.
Esses são os ingredientes com que o estilo irresistível de Eça de Queirós compõe a trama do romance. Disso resulta uma crítica demolidora da moral pequeno-burguesa. A aventura "romântica" de Luísa é vista sem nenhum romantismo; ao contrário, é desnudada pelas lentes implacáveis do realismo, que, nessa época, Eça abraçava com fervor, utilizando-o como método de análise para elaborar um amplo e devastador quadro crítico da sociedade portuguesa.
A força de "O Primo Basílio", contudo, não provém de sua trama (que Machado de Assis, em crítica publicada na época do lançamento do livro, demonstrou ser defeituosa), nem de suas intenções de saneamento social, mas sim do encanto do estilo de Eça e de sua capacidade de dar vida às situações.
Com efeito, tratava-se de um estilo novo naquele momento, feito de sugestão e economia, cheio de imprevistos na delicada associação de palavras nunca antes reunidas: Eça é um verdadeiro mágico da combinação inesperada de substantivo e adjetivo, de verbo e advérbio. Essa escrita se tornou modelo da prosa moderna em português, inclusive da prosa jornalística.

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