São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997
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O que o Brasil teria a perder com a crise

MAILSON DA NÓBREGA

Ainda está difícil apontar tendências para o mercado acionário mundial. Os ajustes técnicos continuam, mas tudo indica que os riscos do contágio em cadeia estão debelados.
Dificilmente a crise chegaria ao lado real da economia, a não ser por conta da irracionalidade ou se falhassem a ação das autoridades sobre as expectativas e a geração de liquidez pelos bancos centrais para facilitar o processo de ajuste.
Não é de meu feitio trazer histórias de horror nem cenários de fim de mundo aos leitores desta coluna. Desta vez, e apenas para reflexão, trago o que a meu ver aconteceria na hipótese de a irracionalidade comandar a situação.
O colapso das Bolsas provocaria grandes e generalizadas perdas de riqueza. O fato de as pessoas físicas terem atualmente uma maior participação no mercado, via fundos mútuos, agravaria o problema.
A perda de riqueza traz, já se sabe, fortes mudanças comportamentais. Os indivíduos tendem a aumentar a propensão a poupar, as empresas revisam planos e os bancos reduzem empréstimos ou aumentam juros em face da ampliação dos riscos.
O movimento tende a adquirir uma dinâmica própria. Cai a demanda de consumo e de investimento. Muitas empresas vão rapidamente à garra, pois acumulam estoques e não conseguem crédito para financiá-los ou não aguentam a carga dos juros.
A quebradeira terminaria provocando uma mistura de deflação e depressão, com perdas imensas do produto e do emprego. No Brasil, estariam em jogo o Plano Real e a estabilidade política.
Os impactos da depressão causariam insegurança e insatisfações de toda ordem, que abalariam o prestígio dos detentores do poder em todo o mundo.
No Brasil, as consequências seriam mais dramáticas. Em algum momento, a fuga de capitais obrigaria à elevação de juros para a defesa da política cambial, já que a desvalorização seria indesejável em tal situação.
Se a fuga de capitais continuasse, mesmo com o aumento de juros e outras medidas de defesa, tornar-se-ia inevitável uma forte e rápida desvalorização cambial. A volta da inflação seria praticamente certa.
Por seus efeitos na produção, no emprego e nos salários reais, a combinação de juros altos e desvalorização amplificaria os efeitos recessivos decorrentes da queda mundial de atividade econômica.
Seria difícil manter o programa de privatização, cessando seus efeitos benéficos sobre a redução da dívida pública, o financiamento do déficit em conta corrente e o aumento da eficiência da economia. Mais desvalorização seria preciso.
O clima de incerteza se agigantaria. O retorno da inflação restabeleceria a indexação, o processo de concentração de renda e a desesperança.
O território político se tornaria fértil para a frutificação de propostas populistas de direita ou de esquerda. No desespero, os detentores de ações cotadas em Bolsa as vendem a qualquer preço; os eleitores compram qualquer proposta percebida como salvadora.
Políticos e intelectuais oportunistas se valeriam da situação para pavimentar seus projetos pessoais de conquista do poder. A América Latina é plena de exemplos infelizes, que custaram muito aos respectivos países, incluindo o colapso da democracia.
Esses projetos jogariam na fragilidade institucional que ainda caracteriza o sistema político brasileiro e no caráter plebiscitário de nosso presidencialismo. Essa combinação permite, em certos momentos, o apelo direto e bem-sucedido às massas.
Recentemente, vimos a defesa de uma saída "por fora" do sistema institucional, baseada na geração de um clima emocional no eleitorado. Seria uma "virada de mesa" que levaria à implementação de idéias de laboratório sobre a forma de governar o Brasil.
Já sentimos na pele as consequências funestas de eleições presidenciais ganhas por quem sabe conquistar o eleitorado, mas não reúne posteriormente as condições políticas e/ou morais para governar.
O cenário aqui exposto tem baixa probabilidade de ocorrer, mas serve para pensarmos sobre suas eventuais consequências e sobre a necessidade de reduzir a vulnerabilidade externa do país.
Há mais de uma saída para reduzir essa vulnerabilidade. A mais fácil e arriscada seria a desvalorização cambial já. A mais difícil, a meu ver a mais correta, seria aproveitar o momento para reunir todas as forças e acelerar o processo de reformas.

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