São Paulo, sábado, 1 de novembro de 1997
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O Brasil no olho do furacão

CELSO L. MARTONE

O Brasil é hoje, por qualquer critério que se adote, um dos países emergentes mais vulneráveis a uma crise cambial.
O déficit em conta corrente brasileiro corresponde a 30% do déficit de todos os países em desenvolvimento e a 80% do déficit dos países da América Latina. Os compromissos externos de curto prazo (dívidas até um ano mais amortizações e juros) atingem 120% do estoque de reservas. Os ativos financeiros internos representam seis vezes o estoque de reservas, o que é um indicador importante numa economia financeiramente aberta. E assim por diante.
O que o mundo está vivendo neste momento é o traumatismo de um violento ajuste para baixo dos preços dos ativos reais (ações e imóveis), que se originou na Ásia e, num mercado globalizado, rapidamente se espalhou por todo o mundo. O ajuste de preços de ativos sempre envolve o fenômeno conhecido como "ultrapassagem": os preços caem muito abaixo de seu novo equilíbrio de longo prazo para, lentamente, convergir para ele.
As economias que não têm nenhum desequilíbrio fundamental (um déficit elevado em conta corrente, por exemplo) podem enfrentar esse processo sem quebras importantes. Felizmente, esse é o caso das economias centrais (EUA, União Européia e Japão); por consequência, a chance de o mundo ter algo semelhante à crise dos anos 30 é muito pequena.
A crise atinge com maior gravidade os países emergentes, economias mais frágeis e mais dependentes dos fluxos internacionais de capitais, e tanto mais gravemente quanto maiores os desequilíbrios internos dessas economias. Infelizmente, esse é o caso do Brasil.
O mercado mundial está reavaliando para cima os riscos dos títulos dos países emergentes, o que implica uma redução da participação deles nas carteiras dos investidores institucionais.
Como o volume desses papéis é mais ou menos fixo a curto prazo, todo o peso da pressão vendedora recai sobre os preços, que desabam. Os títulos brasileiros vêm liderando as quedas de preços, o que é uma indicação de que o mercado está atribuindo um risco elevado ao país.
A primeira linha de defesa contra uma crise cambial é a elevação brutal da taxa de juros interna, o que já foi feito pelo Banco Central no final da semana. É muito provável que o aumento do juro inverta ou pelo menos cesse a perda de reservas com muita rapidez (em dois ou três dias). Nesse caso, a taxa de juros pode voltar não ao nível anterior, mas a níveis sustentáveis.
Se, por azar, isso não acontecer, não dá para manter os juros nesse patamar por muito mais tempo, sob pena de quebrar o sistema financeiro. A última linha de defesa, então, seria uma desvalorização cambial, que viria como ato unilateral do governo ou pela liberação da taxa para flutuar no mercado.
Uma implicação importante dessa crise, mesmo sendo ela debelada nas próximas semanas (o que é muito provável), é que o grau de vulnerabilidade do Brasil, já elevado, aumentou ainda mais, tornando mais problemática a manutenção da política econômica atual em 98. Ou seja, o próximo ataque especulativo encontrará o país mais frágil e mais indefeso do que agora.

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