São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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'Rodada Uruguai' ditou agenda do processo

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O bom senso manda incluir uma expressão pouco charmosa ("Rodada Uruguai") como um marco no processo de globalização.
A "Rodada Uruguai" começou em 1986 em Montevidéu (daí o nome), arrastou-se por quase oito anos e terminou com o mais abrangente pacote de redução das barreiras ao comércio planetário. Seu impacto mais visível e até certo ponto quantificável surge da redução das tarifas alfandegárias para importações.
O cálculo usual sobre o efeito da liberalização na economia mundial é o de um estudo da secretaria do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, o organismo até então a cargo de negociações comerciais). Diz que "os acordos da 'Rodada Uruguai' darão lugar a um aumento anual da renda mundial estimado em US$ 510 bilhões, no momento em que, no ano de 2005, seus compromissos estejam plenamente aplicados".
Para comparação: US$ 510 bilhões eram, à época, tudo o que a economia brasileira produzia por ano em riquezas, o seu PIB (Produto Interno Bruto).
Mas a "Rodada Uruguai" foi além da negociação sobre derrubada de barreiras para exportar mercadorias. Introduziu na agenda mundial as chamadas áreas novas do comércio, em especial o vastíssimo campo de serviços. É uma rubrica que cobre desde telecomunicações a transporte marítimo, passa por serviços financeiros e atinge até compras governamentais, rótulo oficial para as licitações que todo governo faz para comprar lápis ou pontes.
A "Rodada Uruguai" não fechou acordo algum na área de serviços, mas estabeleceu uma agenda de negociações que vai até o ano 2000. Já foi assinado, este ano, acordo para abrir o mercado de telecomunicações, se não o maior, pelo menos o mais rico bastião das empresas estatais.
Também já foi assinado acordo que prevê derrubar, até 2000, todas as barreiras para a importação de equipamentos/serviços de tecnologia de informação (ou informática).
O impacto da liberalização no setor de serviços tende a superar, com muita folga, o da derrubada das barreiras para mercadorias. Trata-se, afinal, do setor mais dinâmico da economia mundial e, acima de tudo, do único que ainda gera empregos, ante a estagnação (às vezes declínio) da indústria e a mecanização da agricultura, que se torna crescentemente irrelevante do ponto nesse ponto de vista.
Para comparação: as exportações de serviços comerciais, no ano passado, foram de US$ 1,17 trilhão, mais do que o dobro do que o mundo exportou em mercadorias (US$ 525,4 bilhões).
O que a "Rodada Uruguai" não alterou é o fato, clássico, de quem dita a agenda são os países ricos.
É sintomático que, enquanto se fecham acordos sobre temas ditos novos (telecomunicações, informática etc), permanecem emperradas as negociações sobre o mais antigo bem transacionado internacionalmente, os produtos agrícolas.
A "Rodada Uruguai" introduziu, é verdade, modestas aberturas nessa área, mas jogou as negociações definitivas para o ano 2000. Motivo óbvio: tanto EUA como a União Européia subsidiam generosamente seus produtores agrícolas e recusam-se a abrir seus mercados para a competição com produtos do mundo subdesenvolvido ou em desenvolvimento.
Por trás dos países ricos, há um número relativamente pequeno de empresas transnacionais que determinam a agenda. Não se trata de teoria conspiratória da esquerda, mas de fatos e números. O comércio entre filiais e matrizes de multinacionais representa aproximadamente 1/3 do comércio mundial, e as exportações das multis a companhias que não são subsidiárias delas cobrem outro terço.
Essa concentração de poder econômico "pode limitar a concorrência, reduzindo, assim, os ganhos para os consumidores e as economias nacionais" (decorrentes da globalização), diz relatório da Consumers International, grupo global de defesa dos consumidores. O relatório escancara, no fundo, a grande carência, seja da "Rodada Uruguai", seja da OMC: não abriram lugar à mesa de negociações para os consumidores, que tanto podem ser as vítimas como os beneficiários da globalização. (CLÓVIS ROSSI)

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