São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Especulação abala hierarquia do poder no mundo global

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

A tela da CNN exibia duas cenas. Em quadro maior, no canto superior, o presidente Bill Clinton recepcionava seu colega chinês Jiang Zemin, que visitava os EUA. No canto inferior, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, falava sobre o crash mundial das bolsas.
Súbito, as câmeras concentraram-se em Greenspan. Por instantes, Clinton e Zemin sumiram do vídeo. A especulação financeira havia subvertido a hierarquia. O mundo não queria senão ouvir Greenspan. Dependendo do que dissesse, as bolsas poderiam subir ou continuar em queda livre.
A semana passada deixou, em seu rastro, uma indagação: quem pode mais, o Estado ou o sistema financeiro internacional, esse fantasma do capitalismo globalizado?
O triunfo de 1989, ano em que o Muro de Berlim ruiu, parecia tão definitivo que chegou-se a preconizar o fim da História. Os três volumes de "O Capital" foram como que empurrados para o fundo da estante. Obras como "Caminho da Servidão", do economista austríaco Friedrich August von Hayek, espécie de guru do neoliberalismo, ganharam viço.
Em 1995, porém, quando tudo se encaminhava para a consolidação da onda liberal, o capitalismo começou a investir contra si próprio: vieram a crise do México e a quebra do Banco Barings, da Inglaterra. Agora, o crash das bolsas.
A Brasília da última sexta-feira, gabinetes em brasa, tonificava a sensação de que países como o Brasil, ditos "emergentes", não estão mesmo à salvo dos chamados ataques especulativos.
Sob os efeitos da globalização, um vírus inoculado na Bolsa de Hong Kong espraia-se pelo mundo. Na quinta-feira, 24 horas depois da fala de Greenspan, Sônia Regina de Oliveira, 44, viu-se obrigada a adiar a compra a prazo de uma TV.
Na véspera, Brasília dobrara as taxas de juros -recurso extremo para tentar seduzir os capitais especulativos que batiam em retirada. Um dos efeitos colaterais foi a alta dos crediários. Assim, a crise iniciada em Hong Kong invadiu o cotidiano de uma dona de casa no Rio de Janeiro.
Diz-se, em benefício do capitalismo, que alguns países, o Brasil entre eles, estão sob risco justamente porque não seguem à risca o receituário liberal. Encontram-se às voltas com sobrevalorização da moeda, déficits em suas balanças de pagamento e despesas públicas maiores do que as receitas.
No Brasil, o Estado liberal é confundido com Estado fraco. O acervo intelectual do liberalismo ensina algo bem diferente.
Em "Investigação sobre as Causas da Riqueza das Nações", por exemplo, Adam Smith dizia, já em 1776, que a economia de mercado deve respeitar o interesse individual, assegurado pelo estado de direito. Os movimentos da última semana evidenciaram que o interesse que move a gangorra das bolsas não é o do cidadão, mas o da especulação.

Texto Anterior: ACORDOS
Próximo Texto: FHC aponta novo limite à ação dos Estados nacionais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.