São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Tecnologia reduz o tamanho do mundo

MARIA ERCILIA
DO UNIVERSO ONLINE

O mundo nunca foi tão pequeno -e só encolheu tanto por causa da tecnologia. A indústria da telecomunicação vive uma explosão sem precedentes, somada ao barateamento e à popularização da informática. Paralelamente, começa a se esboçar uma convergência entre a infra-estrutura de comunicação e a indústria da mídia, à medida que ambas se digitalizam. É essa conjunção que torna possível um mundo globalizado nos moldes de hoje.
"Já tivemos um mundo articulado em termos globais na segunda metade do século 19, com a hegemonia city londrina, que articulava as outras bolsas e as dominava. Esse período foi até o 'crack' de 29", afirma Márcio Wohlers, professor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em economia das telecomunicações. "Nos anos 70, com a crise do petróleo, inicia-se o chamado "big bang" inglês, um processo de desregulamentação financeira que possibilitou uma nova emergência do capital financeiro internacional. Esse "big bang" foi causa e efeito de novas tecnologias de comunicação."
Para Wohlers, o sistema financeiro hoje é, sob certos aspectos, muito mais resistente, devido à telemática. "A possibilidade de ter informação rápida reduz a incerteza", diz.
Mas a aceleração da informação acaba gerando novos problemas. "Por outro lado, o que aconteceu nas bolsas no último dia 29 demonstra que a comunicação on line a partir de um certo momento pode acabar acelerando a propagação de crises regionalizadas. Já não se corre o risco de as informações chegarem tarde demais, mas por outro lado a possibilidade de contágio psicológico é muito maior. O fechamento de pregões foi quase uma constatação de irracionalidade. Não adianta um mundo de informação, porque o sistema de tomada de decisão está incapacitado. Não é verdade que mais informação significa mais racionalidade."
Para Carlos Alberto Primo Braga, economista-chefe da divisão de telecomunicações e informática do Banco Mundial, a globalização depende do barateamento das telecomunicações e da redução da importância da localização geográfica.
"Esse processo que chamamos de globalização, que se acelerou nos anos 80, não pode ser reduzido à comercialização cada vez maior de produtos no mercado internacional. Se tomarmos a exportação/importação de um país e dividirmos pelo PIB, veremos que esse parâmetro está aumentando. Mas isso também ocorria no século 19, com a economia colonial. Eu diria que as diferenças hoje estão na despencada nos custos de telecomunicação e na enorme facilitação do acesso à informação, em qualquer lugar onde se esteja."
A "despencada" de que fala Primo Braga não é força de expressão. Entre a década de 40 e a de 70, o preço de uma chamada telefônica internacional caiu mais de 80%. Entre 70 e 90, mais de 90% (dados do Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, 1997). Como resultado, nos anos 80, o tráfego de telecomunicações aumentou 20% ao ano.
A queda nos preços seria ainda maior se as empresas telefônicas tivessem repassado para o consumidor a redução de custos que vêm tendo.
A telefonia móvel de alcance mundial, símbolo da integração global, que utilizará sistemas de satélite como o Iridium, deve estar funcionando em setembro de 98.
Mas o mundo não ficou pequeno para todos. Apesar de uma complexa rede de cabos e satélites estar perto de abraçar completamente o globo, as telecomunicações ainda são um privilégio de poucos.
Segundo as últimas estatísticas (União Internacional das Telecomunicações, 1996), existem cerca de 745 milhões de telefones para uma população mundial de 5,6 bilhões de pessoas. De acordo com dados da Organização Mundial do Comércio, grande parte da África tem menos de uma linha para cada 100 habitantes. Os mercados mais saturados, com mais de 25 linhas para cada 100 habitantes, estão na América do Norte, Europa e Oceania.
"É a chamada Lei de Jipp", afirma Wohlers. "A infra-estrutura de telecomunicações sempre acompanha o PIB per capita. Talvez dentro de um programa desenvolvimentista a telemática possa incentivar o crescimento econômico. Mas não substitui outras infra-estruturas."
Apesar desse monstruoso abismo geopolítico, muitos analistas permanecem otimistas. Simon Forge, consultor da empresa norte-americana Cambridge Strategic Management Consultants, é autor de um estudo segundo o qual os preços de serviços de telecomunicação devem se aproximar de zero no ano de 2005.
Segundo ele, três fatores vão derrubar ainda mais os custos de telecomunicação: avanços técnicos que reduzem o custo da infra-estrutura, o excesso de capacidade de transmissão internacional -que acaba transbordando para ligações de longa distância nacionais- e a desregulamentação e erosão das margens de lucro.
A queda dos monopólios de comunicação e a revisão dos acordos tarifários internacionais devem reduzir rapidamente as altíssimas margens de lucro das empresas telefônicas.
Uma plano divulgado pelo FCC (Federal Communications Commission dos EUA) no último dia 7 de agosto aponta na direção das previsões de Forge.
O órgão quer reduzir drasticamente os valores pagos pelos EUA a operadoras de outros países para que ligações internacionais sejam completadas. As ligações internacionais terão uma redução dos atuais US$ 0,88 para US$ 0,20 por minuto. O órgão pretende fixar a tarifa máxima imposta às operadoras estrangeiras de acordo com o grau de desenvolvimento de cada país. Segundo o FCC, o usuário norte-americano, o mais competitivo do mundo, paga hoje mais de seis vezes o valor de uma ligação doméstica de longa distância para uma ligação internacional.
Para Primo Braga, "esse é um processo sem retorno". A segmentação dos mercados de informação, comunicação e serviços "favorece a exploração de nichos. Por exemplo, o Brasil poderia passar a explorar o mercado de informação em português num nível mundial, através da Internet", afirma.
Primo Braga acredita que o desenvolvimento de soluções alternativas, como a telefonia via Internet, vai reduzir ainda mais o preço da telecomunicação. As próprias empresas telefônicas, entre elas a Nokia (Finlândia) e a Deutsche Telekom (Alemanha), estão fazendo experiências com ligações telefônicas via Internet, a preços praticamente de ligação local.
"Está ocorrendo hoje a morte da localização geográfica", afirma. "Houve um grande ganho de produtividade na indústria de serviços -responsável por 70% do PIB dos países industrializados hoje. As telecomunicações permitem que as empresas terceirizem funções e se concentrem na sua vantagem competitiva."
O barateamento das comunicações empresariais é um elemento crucial da globalização na esfera produtiva.
Segundo Márcio Wohlers, quando as empresas começaram a se comunicar por redes de computador interligadas por linha telefônica, tiveram um grande ganho de produtividade. "As grandes empresas adicionaram, com a comunicação ágil e barata, uma vantagem competitiva decisiva e ganharam mais poder."
A convergência entre as indústrias de informática, telefonia e mídia transformam tanto o mercado de informação quanto o de comunicação. "Se colocarmos no alto de um triângulo a indústria cultural, à esquerda a indústria de informática e à direita telecomunicações, uma empresa hipotética no centro do triângulo representaria a convergência entre elas", diz Wohlers.
"Mas cada setor tem uma lógica de competitividade diferente. A lógica da mídia é a do direito autoral. A do software é a da produção de massa. Finalmente, as telecomunicações têm o raciocínio do monopólio. Por isso muitas das grandes fusões fracassaram. Aquela idéia de que a empresa deve se manter no seu negócio principal até agora continua valendo."
Embora as empresas não tenham chegado a achar um caminho para a convergência, a infra-estrutura se aproxima dela. Até pouco tempo havia uma distinção clara entre redes de telefonia, de dados e de "broadcast" (TV e rádio).
A tendência é que telecomunicações, difusão de rádio e TV e transmissão de dados passem a circular indiferentemente por fibras óticas e satélites. Apesar das barreiras políticas e econômicas à integração das comunicações, do ponto de vista tecnológico os avanços nunca foram tão rápidos. Apontam para uma comunicação mais ubíqua, rápida e barata.

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