São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quando o futebol veste o mundo

MARCELO DIEGO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

A Nike, gigante do setor de material esportivo em todo o mundo, admite que pode se tornar proprietária de um clube brasileiro, caso a lei Pelé seja aprovada, dando provas de que quer ser a número um no futebol mundial

Se a lei Pelé for aprovada no Congresso Nacional, a Nike -uma das gigantes do setor de material esportivo em todo o mundo- pode ser proprietária de um clube de futebol no Brasil.
A nova legislação, que deve ser votada até dezembro, incita a profissionalização dos clubes. A Nike "é aberta a esse tipo de oportunidade", diz seu presidente mundial, Thomas E. Clarke, 45, em entrevista, por fax, à Folha.
A Nike investe hoje US$ 220 milhões no futebol brasileiro. O dinheiro entra em forma de um contrato de patrocínio de dez anos com a seleção, assinado em 96.
A cifra faz parte da estratégia da empresa para conquistar o mercado do futebol, onde suas grandes concorrentes são a Reebok, a Adidas e a Umbro.
Clarke diz que o mercado consumidor brasileiro é importante por se tratar do maior da América Latina e um dos quatro maiores de todo o planeta.
Dono de um salário anual de US$ 1.274.583,00, é função de Clarke fazer a empresa crescer mais.
E ele revela querer fazer de sua empresa a "número um" nos esportes no país. Para conseguir isso, a Nike aposta na identificação cultural com os brasileiros. E o futebol é um dos principais trunfos.
Ser dona de um clube é uma hipótese aberta para o empresário. Hoje, porém, patrocinar uma equipe ou participar de um contrato de co-gestão não faz parte dos planos.
Ter um clube no futuro pode representar para a Nike um grande impulso para conquistar o mercado esportivo brasileiro -que pode movimentar US$ 25 bilhões, segundo estimativas de especialistas em marketing esportivo, nos próximos cinco ou seis anos.
Mas investir na seleção ou num clube não renderia só consumidores do país. Às portas de uma Copa, num momento em que a Fifa estuda uma nova forma de disputa do Mundial interclubes e numa economia globalizada, é um bom ponto de partida para atingir outros mercados.
O próprio contrato com a CBF já permite "usar" a seleção para atrair clientes. O acordo prevê que a Nike pode marcar cinco amistosos por ano para o Brasil. Além de cobrar US$ 500 mil como cota, vender placas de publicidade e ter a renda integral da partida, aproveita para divulgar um conceito.
Foi por isso que o Brasil jogou nos EUA, Japão, Coréia do Sul e África do Sul.
No mercado de tênis, a Nike detém 37% do mercado dos EUA (a Reebok, segunda, tem 20,5%).
Segundo o "The Wall Street Journal", a empresa espera arrecadar US$ 425 milhões somente com o futebol em 98. Para isso, no Brasil, vai investir -sem contar o dinheiro da seleção- US$ 13,2 milhões em marketing.
Se arrecadar o que está prevendo, significará cerca de 50% a mais do que neste ano. O volume, porém, ainda é tímido. A empresa fatura US$ 9 bilhões/ano. Quer mais. Espera vestir o mundo do futebol.
*
Folha - O que o mercado brasileiro significa para a Nike?
Tom Clarke - O Brasil é um mercado muito especial para a Nike. É considerado o terceiro ou quarto mercado no setor de calçados no mundo.
Por causa disso, representa uma grande oportunidade para nós. Também, se você olhar para a América Latina, o Brasil é o maior e, provavelmente, o mais bem orientado mercado esportivo.
Então, para a Nike, o futuro certamente está no Brasil.
Folha - E qual a estratégia para crescer neste mercado?
Clarke - Nós queremos ser os mais autênticos e o número um nos esportes no Brasil.
Para fazer isso, nós precisamos ser verdadeiros com a nossa cultura empresarial, o que significa trabalhar com as raízes culturais, ficando próximo ao povo brasileiro, organizando eventos como clínicas, torneios etc.
A Nike International Premier Cup é um bom exemplo disso. Neste ano, nós lançamos o torneio no Brasil. É o maior torneio sub-14 de futebol do mundo e o faremos novamente no próximo ano e nos anos futuros.
Recentemente, nós começamos um novo relacionamento com a seleção brasileira, o que é um grande passo para nossa empresa.
Somos razoavelmente novos no futebol, o mais popular esporte brasileiro, mas sentimos que podemos levar novo sangue e criatividade a essa prática. É o motivo pelo qual fechamos com o Brasil. O futebol é criativo e apaixonante.
Achamos que é, provavelmente, o melhor no mundo e por isso nosso orgulho de patrocinar a seleção.
Folha - A Nike tem uma agressiva estratégia de marketing para atrair consumidores. Mesmo associada ao esporte, pode invocar um consumismo exagerado. Não é prejudicial para os jovens?
Clarke -A Nike é uma companhia com marketing orientado. Significa que acreditamos em comunicar nossa filosofia e crenças para o público.
Nós acreditamos na competitividade e na honestidade e frequentemente nossas campanhas têm tons irreverentes, mas francos. Se podemos influenciar os jovens a praticarem mais esporte, então nossa influência será positiva.
Folha - O Congresso brasileiro está discutindo um projeto de lei, feito pelo ministro Pelé, que modifica o cenário esportivo no país. Entre outras coisas, faculta a criação do clube-empresa. A Nike teria interesse em ser proprietária de um clube brasileiro?
Clarke - Sim. A Nike está sempre aberta a esse tipo de oportunidade, se for uma coisa certa. Dependeria também do clube.
Folha - A Nike já fez alguma proposta de co-gestão para clubes brasileiros? E de patrocínio?
Clarke -A Nike tem concentrado seu relacionamento com a seleção brasileira. Outros clubes brasileiros podem ser uma grande oportunidade para nós no futuro, mas não há planos concretos hoje.
Folha - Na sua opinião, qual é o esporte do futuro?
Clarke - É difícil de responder. Mas o futebol certamente é o esporte mais popular no mundo hoje e provavelmente vai permanecer assim nos próximos anos. Mas quem sabe, não?
Folha - A Nike patrocina vários nomes no esporte mundial. E assedia outros tantos. Quais os próximos alvos?
Clarke - Não posso ser específico, mas o que eu posso dizer é que a Nike gosta de atletas, muitos de nós somos atletas. Esperamos poder patrocinar grandes atletas no futuro, porque foi dessa forma que a empresa cresceu e é para onde ela deve continuar seguindo.
Folha - Qual o principal produto da empresa?
Clarke - A Nike produz tênis e roupas para atletas de várias modalidades. É difícil escolher um produto principal... Basquete, corrida e tênis são grandes para nós, mas não fechamos os olhos para o beisebol, futebol... Também produzimos equipamentos esportivos, como bolas e luvas.
Folha - Há alguma adaptação da empresa ao Brasil?
Clarke - Nós tentamos e adaptamos nossa comunicação de marketing sempre que possível e sempre que achamos ser relevante. Nossas campanhas e nosso investimento tendem a levar em conta a cultura local.

Texto Anterior: Cruzeiro quer Donizete para a final do Mundial; CRB busca vitória para garantir a classificação
Próximo Texto: A gigante Nike
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.