São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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BC agiu com firmeza, mas tormenta continua, diz Eris

LUÍS COSTA PINTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O economista Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central (governo Collor), passou toda a última semana trancado nas salas da sua corretora, a Linear, tentando entender o crash das Bolsas de Valores e fazer com que os fundos sob sua administração reagissem à crise.
Eris está preocupado. Ele acha que o epicentro da quebra das Bolsas de Valores deslocou-se de Hong Kong, onde começou no dia 23 de outubro, para São Paulo. Um dos pais do Plano Collor, que confiscou dinheiro das cadernetas de poupança e das contas correntes em março de 90, Eris também crê que o Brasil começou a viver um ataque especulativo à sua moeda, o real.
Na sua opinião, esse ataque está sendo contido por uma reação enérgica do Banco Central.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Ibrahim Eris à Folha.
Folha - O sr. acha que no decorrer da semana passada, quando muitas Bolsas se recuperaram e a Bovespa manteve baixas acentuadas, o Brasil se tornou o centro da crise que quebrou as Bolsas de Valores no mundo inteiro?
Ibrahim Eris - Sim. Viramos o epicentro da crise. Na quinta e sexta-feiras o Brasil influenciou muito mais a Bolsa de Nova York do que o contrário. Eles ficaram olhando o comportamento do mercado brasileiro. É difícil prever o que vai acontecer agora, nesta semana seguinte, mas estivemos no centro do crash no final da semana que passou.
Folha - O que virá depois da tormenta? Podemos esperar uma certa calmaria no mercado quando ele reabrir?
Eris - Não dá para prever. O governo mostrou força e determinação a partir da atuação do Banco Central, e isso é bom. Sou um dos principais críticos da alta dos juros, mas era inevitável que se fizesse o que foi feito: aumentar as taxas de juros. Já na sexta-feira o mercado externo mostrava uma ação coordenada muito boa para o Brasil. A corretora Merryl Linch soltou uma avaliação favorável ao país. O Michel Camdessus, diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, deu declarações favoráveis ao mercado brasileiro.
O governo demonstrou firmeza e teve coragem de aumentar as taxas de juros no início de um ano eleitoral, demonstrando que está mais preocupado com a estabilidade da economia e da moeda nacional do que com as eleições. Isso é bom. Mostra que temos gerência econômica. Mas ainda é cedo para prever resultados em função desses gestos.
Folha - Dobrar a taxa básica de juros do Banco Central foi acertado?
Eris - Isso era inevitável. É ruim, mas foi necessário. Vai machucar todos, porém vivíamos uma emergência. É cedo para dizer se terá impacto recessivo ou não, mas demonstra firmeza na atuação do governo. O episódio da última semana criou feridas em todo mundo -mais em uns, menos em outros- que vão demorar para sarar.
Folha - Sua corretora foi atingida pela quebra?
Eris - Foi. Claro que fui atingido, como todo mundo que estava no mercado. Criei a imagem do sábado à beira da piscina para ilustrar o que ocorreu. Dia de sol, tem gente dentro da piscina, tem gente na borda lendo jornal ou comendo sanduíche, descalço, e tem gente passeando ao largo, de sandálias de borracha. Cai um raio. Quem estava dentro da piscina morre. Quem estava lendo jornal ou comendo sanduíche sai chamuscado. Quem estava de sandálias de borracha sobrevive quase ileso. O que houve foi inesperado, mas não fui mais atingido do que outras corretoras.
Folha - O sr. perdeu dinheiro?
Eris - Sim. Fundos com os quais trabalhamos, no mundo inteiro, perderam dinheiro. Mas nenhum dos fundos da Linear foi fechado, como chegou a ser divulgado em alguns lugares. Nunca cogitamos de fechar nada. Diminui minhas posições de risco, fazendo o que todo administrador prudente faria.
Folha - Vivemos uma crise nas Bolsas ou um ataque especulativo ao real?
Eris - Acho que vivemos um ataque especulativo mais grave do que uma crise nas Bolsas. Não gosto de usar a palavra 'ataque', mas foi o que passamos. O governo tem jogado duro e espero que os mercados entendam que um ataque ao real dificilmente vai vingar.
Durante toda a crise das Bolsas houve uma demanda extraordinária por dólares no país. Logo, houve ataque especulativo. A crise nas Bolsas foi universal, mas o ataque a moedas só ocorreu em alguns lugares do mundo e, entre esses lugares, o Brasil. Foi diferente da crise do México no final de 94, que foi uma crise localizada.
A quebra da última semana foi global e nos pegou no contrapé. O Banco Central, porém, agiu de maneira exemplar e é preciso tirar o chapéu para eles.

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