São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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Bowie ilustra história do bom rock'n'roll

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

David Bowie veio ao palco paulistano do malfadado Close Up Planet para fazer uma simples demonstração: a de que rock'n'roll é, ainda, uma questão de estilo.
Sim, porque na noite de sábado, nada -nem esforços drum'n' bass, nem projetos de modernização tecno- maquiou a fonte que sempre nutriu a arte de Bowie: o modernoso "Earthling" é, visto daqui, um show de rock'n'roll.
Mas, em seu caso -e como a sempre indispensável cover de Velvet Underground ("White Light White Heat", 67) veio assinalar, já no bis-, rock nunca foi ou será sinônimo de primariedade.
Assim é que começou parecendo disposto a distender o público -situação contrária à dos shows que fez aqui em 90. Desprezou seu repertório mais vulgar -o de "Let's Dance" (83) adiante, único a conquistar os brasileiros em 90.
Com exceção de uma versão bem pouco pop -sim, seu show não foi nada pop- da medonha "Under Pressure" (82, que cantava com, ai, o Queen), "Earthling" passou quase ao largo de megahits.
Reproduziu o CD "Earthling" (97) quase em sua totalidade, a partir de "I'm Afraid of Americans". Aí já era evidente: para Bowie, rock'n'roll é questão de sexo.
Dançou languidamente, rebolou e soltou o vozeirão, definindo-se como ente de voz à Frank Sinatra dançando tão bem quanto Michael Jackson -mas sensual como os dois outros nunca foram.
A trinados e rebolados executados para mostrar que rock é questão de classe, entremeou versão pesada de "Fashion" (80), percebendo a formulação de verniz dos 90, de que rock é questão de moda.
Ironizou o equívoco, bem vestido como nenhum outro entertainer pop e ilustrando o sarcasmo com imagens projetadas de nudez. Rock é questão de elegância.
Mostrou afeição pelo repertório de "Scary Monsters" (80), que norteou o fim de uma época, coincidente com a fase máxima de sua carreira. Trouxe versão funkeada, desconstruída da faixa-título. Só deixou de lado a genial "Ashes to Ashes" -hits estavam vetados.
Queria mesmo era fantasiar sua persona agora terráquea de jungle, drum'n'bass, rock industrial, proporcionando flashes indescritíveis -"Battle for Britains (The Letter)", "Dead Man Walking".
Em "Seven Years in Tibet", estabeleceu o climão rhythm'n'blues para bombardear o refrão de puro britpop -termo tomado aí como virtude, não como palavrão. Ilustrou que rock é, ainda -quando pode-, questão de inteligência.
Com sua concepção de "moda", não poderia ignorar seu passado, e entregou poucos clássicos, escolhidos com iconoclastia: "Fame" (75), "Panic in Detroit" (73), "Moonage Daydream" (72).
E entregou "The Man Who Sold the World" (71), em versão ultracool, devolvendo à sepultura a versão grunge do Nirvana. Rock é, para ele, ainda, questão de atitude.
Bem, aquele homem podia não ser mais que um senhor respeitável lutando pela sobrevivência artística -é até fácil brincar com o mito da eterna juventude quando se é um cinquentão bonito como ele.
Mas só sua total incapacidade de sentir medo das inovações que sempre tentam atropelá-lo poderia tornar natural a ainda persistente luta por sobrevivência.
E o instante coroador de tudo seria, mesmo, a versão rockabilly de "White Light White Heat", canção do Velvet que até é um tanto chata. Aí estava dito: rock'n' roll é, ainda, uma questão de arte.

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