São Paulo, terça-feira, 4 de novembro de 1997
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Para Iglesias, globalização exige o fortalecimento da sociedade civil

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A ESTOCOLMO

O sucesso dos países latino-americanos no mundo globalizado depende hoje não só das reformas econômicas como do fortalecimento da sociedade civil, diz Enrique Iglesias, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) há nove anos.
"As complexidades da nova sociedade fazem que você tenha de apelar para essa energia que está na base da sociedade", afirma.
Como exemplo, cita iniciativas de estímulo às pequenas empresas -com destaque para o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Para ele, "se a América Latina não quer seguir sendo vendedora de matérias primas e de mão de obra barata, tem de educar sua gente".
Na semana passada, ele participou do seminário "Solidariedade Internacional e Globalização", promovido em Estocolmo pelos governos da Suécia e da Colômbia -que atualmente preside o Movimento Não Alinhado.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Iglesias.
*
Folha - Como o sr. vê a América Latina no quadro atual de globalização da economia?
Iglesias - Eu penso que a inserção internacional da América Latina é fundamental. Mas para isso nós temos de competir e, para isso, temos de melhorar o conhecimento, que é sem dúvida alguma é o elemento mais forte na capacidade de competir. Se a América Latina não quer seguir sendo vendedora de matérias primas e de mão de obra barata, se quer vender valor agregado, fruto do conhecimento, tem de educar a sua gente.
Folha - Há uma mudança na visão de desenvolvimento do BID?
Iglesias - Há uma visão nova da política de desenvolvimento. Estamos cada vez mais convencidos de que o reducionismo econômico têm suas limitações. Temos que incorporar novas variáveis. Desde logo, as variáveis sociais.
Por isso, estamos dando uma importância redobrada à educação. Não porque a educação não era importante antes, mas porque agora é uma condição fundamental para fazer o desenvolvimento, mudar a estrutura produtiva, melhorar a competitividade.
Já o elemento cultural é o reconhecimento de que através da cultura se pode despertar sinergias na base da sociedade que são impossíveis de ser atingidas a partir de estímulos macroeconômicos.
Folha - Isso é uma autocrítica à política anterior?
Iglesias - Eu diria que é uma evolução. Todos aprendemos com os fatos. E as complexidades da nova sociedade fazem que você tenha de apelar para essa energia que está na base da sociedade.
O banco tem um programa ativo com as microempresas. Isso nos deu uma oportunidade de descobrir como era importante trabalhar com as organizações sociais de base.
Há áreas em que o governo chega mal, ou chega caro, ou não chega. Mas a sociedade civil chega. Então, com um pouco de apoio, estamos conseguindo coisas que não conseguiríamos diretamente com empréstimos aos governos.
Folha - Como o Sebrae, no Brasil?
Iglesias - O Sebrae é um dos melhores exemplos na América Latina de atenção às pequenas e médias empresas. Queremos trabalhar com eles no Brasil, mas queremos também que o Sebrae possa prestar assistência a outros países da América Latina.
Folha - E como a cultura se encaixa nessa política?
Iglesias - Nós distinguimos na cultura dois elementos, basicamente. Um é a solidariedade. O pobre é por natureza solidário, para sobreviver na pobreza.
Esse é um valor cultural que está na base social -a vocação cooperativa, comunitária, que em alguns casos vêm de épocas milenares, como nas culturas indígenas. Então eu creio que isso é um capital que está dormindo. Com pouco dinheiro pode-se estimular isso.
A sensação de auto-estima a partir do desenvolvimento cultural é também muito importante. Um caso emblemático é São Luís do Maranhão, onde há um bairro holandês que é uma jóia histórica e arquitetônica. Nós vamos ajudar a recuperar o bairro, mas também a moradia.
Isso gera a auto-estima de quem vive no lugar. É o que se encontra, por exemplo, na gente que mora no Pelourinho (Salvador), ou em Curitiba (PR).
Folha - Na área de educação, tem havido uma certa resistência dessa base social às reformas e, inclusive, acusações de intervencionismo do BID. Como sr. vê isso?
Iglesias - Como Banco Interamericano, nós temos de respeitar as decisões dos países. A reforma do sistema educacional é um tema muito sensível para qualquer sociedade. O banco tem de ser adaptado às prioridades do governo.
Folha - Mas o banco tem intelectuais que formulam suas políticas.
Iglesias - Claro, temos o Claudio Moura Castro, por exemplo. Mas ele vai, senta-se com Paulo Renato (Souza, ministro da Educação), com seus especialistas, e discute um programa compartilhado. Não vai e diz: "É esse o programa brasileiro".
Estamos apoiando linhas como diminuição da evasão escolar, formação dos professores, falta de livros, informatização; insistimos muito no ensino pré-escolar.
Também vemos com muita simpatia como o Chile está querendo chegar a 7% do PIB em educação no ano 2000. A América Latina deveria fixar metas ambiciosas de gasto com a educação. Mas não são só os gastos que são baixos. A eficiência dos recursos aplicados também é extremamente baixa.
Folha - Nessas reformas educacionais tem havido uma priorização do ensino básico...
Iglesias - Há uma tendência de valorizar, com toda razão, o esforço no ensino primário. Mas eu digo que é o ensino primário, o ensino secundário e o ensino superior.
Há países da América Latina onde se gasta mais dinheiro com a universidade do que no ensino primário. Isso é um absurdo e nos obriga a pensar em formas de financiamento mais adequadas.
Folha - Há grupos que acusam o BID de propor a privatização da universidade pública.
Iglesias - Não é assim. Nós temos que reconhecer, por exemplo, que no Brasil há uma Constituição que estabelece que o ensino superior deve ser gratuito.
Estamos disposto a financiar a universidade, mas com base em um programa de reforma universitária. Queremos financiar qualidade, treinamento dos docentes, bons currículos, bolsas no exterior, programas de interconexão com as redes de informática.

O jornalista Fernando Rossetti viajou a Estocolmo a convite do governo sueco

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