São Paulo, quinta-feira, 6 de novembro de 1997
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No beco

JANIO DE FREITAS

Deixadas de lado a farsa de tranquilidade, até compreensível, e as leviandades tapeadoras, o que sobra das reuniões governistas e suas pretensas providências é simples: se existe alguma coisa eficaz para atenuar a realidade de que o Brasil é o grande derrotado na crise, no governo ninguém sabe qual é.
Todo o jogo de cena iniciado segunda-feira resulta apenas da constatação de que o governo, talvez para surpresa do próprio Fernando Henrique, tão crédulo nos seus economistas e em si mesmo, está numa entaladela árida. E fácil de constatar.
O tal corte de gastos reduz-se a isto: o cortável não será cortado porque os parlamentares governistas já receberam o recado de que Fernando Henrique preservará as verbas que lhes interessam. O que aparentemente restaria a ser cortado no Orçamento são verbas que ou não têm expressão quantitativa ou já não seriam mesmo liberadas, depois de retidas até tão perto do fim do ano.
Apesar de tudo o que o governo propala sobre combate à Aids, por exemplo, agora mesmo a Folha informava que Minas, Rio Grande do Sul e Santa Catarina ficaram sem os remédios para aidéticos. Ressalto: para crianças aidéticas. Por falta das respectivas verbas do Ministério da Saúde. E, no entanto, aí está apenas mais uma demonstração revoltante a somar-se às de todas as semanas precedentes, sobre os cortes de verbas sociais até onde são mais desesperadamente necessárias -a saúde, quer dizer, a vida.
Já as tais reformas agora reclamadas do Congresso com urgência, ao cabo de três anos dormitando porque prioridade era só a reeleição, nem de remendo servem. Basta reparar neste pormenor: se fossem capazes de algum efeito positivo, o economista André Lara Resende não estaria incumbido por Fernando Henrique de fazer novos projetos de reforma para o que agora seria reformado.
Quando o senador Jader Barbalho perguntou, em uma das reuniões teatrais no Planalto, qual é a economia esperável das reformas de repente tão citadas, o ministro Antonio Kandir respondeu de bate-pronto: R$ 16 bilhões ao ano. Quem quiser se recuperar de perdas nas Bolsas é só apostar que o número é mentiroso. Já existe até quem espere dessas reformas maiores e não menores gastos, e é gente próxima do governo e de Fernando Henrique.
Os juros na estratosfera, terceira grande providência, são excelentes. Para os especuladores, em particular os do mercado internacional. Aos seus vários efeitos negativos já vulgarizados falta, porém, juntar outro: os Estados vão explodir. No caso de São Paulo, bem ilustrativo, por conta de juros a dívida estadual já fora elevada de menos de R$ 20 bilhões para mais de R$ 60 bilhões. Com os juros agora aumentados em quase 100%, o crescimento da dívida ocorrerá com aceleração também redobrada. Os outros devem muito menos, mas, em contrapartida, os efeitos da dívida são neles muito mais opressivos, que dirá com os novos juros.
A ordem no governo é mostrar otimismo quanto à redução dos juros em futuro próximo. Em uns dois meses, dizem. Mas, como o governo procura e não acha salvaguardas concretas para a vulnerabilidade do real, o fim do aumento "salvador" dos juros não exporia outra vez o país ao que acaba de acontecer?
Por falar em vulnerável, na sua entrevista de ontem Fernando Henrique disse, com toda tranquilidade, que a equipe econômica vinha há tempos advertindo para a vulnerabilidade da situação brasileira. Nem parece que, superando até o Gustavo Franco, o próprio Fernando Henrique sustentava já com a crise metida nas Bolsas daqui: "O real é uma muralha firme".
Melhor só a proposta de que Câmara e Senado "ajudem o Brasil" trabalhando sábado e domingo, feita pelo senador Antonio Carlos Magalhães depois de passar dias úteis em Nova York, com uma trupe de disponíveis.

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