São Paulo, quinta-feira, 6 de novembro de 1997
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As fundações e a universidade

LUÍS NASSIF

É importante recuperar o tema Universidade Federal de Minas Gerais versus Grupo de Qualidade da Fundação Cristiano Ottoni em bases mais racionais e isentas, pois trata-se de capítulo relevante na definição do novo papel da universidade.
O pano de fundo desse imbróglio é a questão da definição do papel da universidade como prestadora de serviços. A universidade é um local de ensino e pesquisa. Mas tem que se transformar em prestadora de serviços, atuando como parceira relevante da sociedade. Qual o modelo adequado?
Anos atrás, para conferir maior flexibilidade a essa atividade, as universidades permitiram a proliferação de fundações. Nos últimos anos, até por conta do achatamento dos salários dos docentes, ocorreu verdadeiro descontrole nessa área. Em vez de braços operacionais das universidades, contribuindo para a sua flexibilização, captação de recursos e aparelhamento, tornaram-se, muitas vezes, instrumentos exclusivos de ganhos individuais de grupos de professores, que utilizam nome, instalações e funcionários da universidade, sem remunerá-la por isso.
Por outro lado, sair das amarras da burocracia universitária é importante para que as instituições sérias aprendam a trabalhar com conceitos de cliente, busca de resultados etc., mas sem perder o foco acadêmico. Qual o meio-termo?
A portaria 10/95 do Conselho Universitário da UFMG submete a prestação de serviços à Câmara Departamental e ao Colegiado Superior da Unidade. Define em oito horas semanais a carga horária dedicada à prestação de serviços, já que o professor é remunerado para exercer atividades acadêmicas. Define também que as equipes de prestação de serviços deverão ser constituídas de maioria de professores locais. No artigo 5º, parágrafo 1º , dispõe que os colegiados superiores de unidades e conselhos diretores dos órgãos suplementares deverão estabelecer limites para a participação de pessoal externo à UFMG. Portanto, é uma portaria disciplinadora, inédita, e não corporativista.
O caso FCO
Em cima da portaria, caberia a cada escola definir suas regras específicas. "Por isso mesmo, nada tenho a ver com problemas que possam ter surgido entre o Departamento de Engenharia e a Fundação Cristiano Ottoni", explica o reitor da UFMG, Tomaz Aroldo de Mota Santos. E tem razão.
Junto com o controle, vêm as limitações e indefinições sobre a missão das fundações e da universidade. Na Escola de Engenharia, definiu-se a seguinte divisão: do total recebido por trabalho, 20% iriam para o departamento responsável pelo projeto, 10% para a FCO, 10% para a Escola de Engenharia (no caso de ser curso dado nas dependências da escola) e 2% seriam para pagamento da Cofins.
A Escola de Engenharia tem a Fundação Cristiano Ottoni. A FCO tem o Grupo de Qualidade, que acabou se tornando maior do que toda a escola, por conta da excelência de seu trabalho.
Esse grupo não é vinculado a nenhum departamento. Portanto, os 20% do departamento só incidem sobre a parcela recebida pelo consultor da FCO que, simultaneamente, for professor da ativa no próprio departamento. Dos mais de 200 consultores da FCO, apenas 20 são do departamento -e apenas esses contribuem. Esse fato fez com que muitos professores se aposentassem para não ter que pagar a contribuição.
Conflitos de missão
Aí entram os conflitos de missão. Se for seguir a ferro e a fogo essa limitação de maioria de consultores da própria escola, o Grupo de Qualidade da FCO se inviabiliza. Por outro lado, há muito sua atuação deixou de ser acadêmica, tanto que acabou competindo com a própria universidade, à medida que professores se aposentaram para se tornarem exclusivamente consultores.
Hoje é uma consultoria ampla, dispondo de fontes próprias de receita muito maiores que as do próprio departamento. Nesse sentido, não é justo que seu trabalho sofra as limitações dos sistemas de controle universitários. Mas também não é justo que, tendo fontes próprias de receita, ocupe, sem pagar, instalações e estruturas da própria universidade.
É esse o conflito, solucionado provisoriamente por meio de uma gambiarra. O grupo de qualidade constituiu uma outra fundação, da qual a FCO é apenas uma das dez mantenedoras. Essa fundação se incumbirá de algumas tarefas específicas. Mas, na própria ata de fundação, prevê-se que assumirá todos os trabalhos do grupo, "caso dificuldades incontornáveis viessem a acontecer".
No fundo, esses conflitos e gambiarras refletem essa indefinição em relação ao papel atual das universidades. Cabe a ela transformar-se em uma estrutura que permita à própria universidade ter a noção de clientela, ter objetivos claros, prestar satisfações de seus atos à opinião pública, mas, ao mesmo tempo, ser a beneficiária da tecnologia que vier a gerar e dos serviços que vier a prestar.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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