São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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A lógica da queda em NY

CELSO PINTO

Muita gente até hoje se pergunta se fez algum sentido uma queda tão grande nos preços das ações americanas. Afinal, existe alguma racionalidade por trás destes movimentos, ou apenas a força de uma globalização financeira incontrolável?
No caso dos Estados Unidos, a discussão se o mercado acionário estava ou não sobrevalorizado se arrasta há alguns anos. Em economia, sempre é fácil prever o passado, ou seja, explicar as razões que levaram um fato a ocorrer exatamente da forma como ocorreu. Bem mais difícil é prever o futuro.
Abro espaço, portanto, como uma homenagem, a Martin Wolf, um dos mais respeitados articulistas do jornal "Financial Times". Num artigo publicado dia 7 de outubro, bem antes, portanto, do furacão financeiro, Wolf alinhou as razões pelas quais estava convencido de que o mercado americano estava sobrevalorizado e sujeito, portanto, a uma forte queda.
Uma razão é a relação Preço/Lucro, que mede o tempo de retorno de um investimento em ações. Quanto maior a relação, maior o tempo de retorno, isto é, maior a valorização da ação.
Entre 1871 e 1992, esta relação ficou, em média, em 13,7. Antes da queda recente da Bolsa de Nova York, ela estava em 24, próxima ao recorde histórico. Acendeu-se, portanto, um sinal amarelo.
Nem no crash anterior de Nova York, em outubro de 87, quando as ações caíram 29%, o P/L chegou a tanto: o pico foi de 22. Em 120 anos, esta relação oscilou entre um mínimo de 5 e um máximo de 25, mas sempre com a tendência de voltar à média de 13,7.
Em 92, lembra Wolf, a relação também chegou a ficar acima de 24. No entanto, era o início de um ciclo de recuperação econômica, quando os lucros das empresas em relação ao PIB estavam em 6%, abaixo de sua tendência histórica. No segundo semestre deste ano, ao contrário, os lucros chegaram a 10%, abaixo apenas de meados dos anos 60, quando chegaram a 12%.
Desde 92, os lucros das corporações cresceram a uma taxa de 10% ao ano acima da inflação. Foi este extraordinário crescimento dos lucros que impulsionou a excepcional valorização das Bolsas. No entanto, lembra Wolf, é difícil imaginar que os lucros das corporações continuarão a crescer no mesmo ritmo nos próximos cinco anos. Isto significaria elevar a participação dos lucros no PIB a níveis jamais vistos.
Outra medida usada como termômetro do comportamento do mercado é o "Q de Tobin", chamado assim em homenagem a James Tobin, Prêmio Nobel de Economia da Universidade de Yale. É uma relação que mede o valor das ações comparado aos ativos líquidos das empresas. Quando a relação é baixa, é mais barato comprar ações do que investir. Quando é alta, ela é um indício de alto investimento -exatamente o que tem ocorrido nos EUA desde 92.
Wolf cita um cálculo de que essa relação, antes da queda recente, chegou a 130%. É o ponto mais alto desde 1920, o dobro da média de longo prazo e três vezes superior à década passada.
Alguns argumentam que, como o crescimento potencial é maior hoje e existem muito ativos intangíveis, não faria sentido comparar essa relação com o passado. Wolf discorda. O que aconteceu com a relação não foi um aumento gradual de longo prazo, mas um salto nos anos 90. Para imaginar que o mercado errou durante duas décadas, seria preciso acreditar que a economia americana mudou inteiramente, o que é mais do que discutível.
A conclusão de Wolf (e não previsão, como ele sublinha) era a de que seria mais provável que a Bolsa de Nova York caísse pela metade nos próximos anos do que dobrasse de valor. Se isso implicasse em contrariar alguns gênios de Wall Street, esta não seria a primeira vez.
"Não há razão para preocupação. A maré alta de prosperidade vai continuar", previa Andrew Mellon, um dos maiores financistas de sua era, em 1928, pouco antes do crash da Bolsa em 29. Da mesma forma, o presidente Calvin Coolidge, falando ao Congresso no início de 28, garantiu que todos deveriam "olhar o presente com satisfação e o futuro com otimismo". O que aconteceu depois, todos conhecem.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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