São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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A ópera, como Minas, está onde sempre esteve

CARLOS HEITOR CONY
DO CONSELHO EDITORIAL

Volta e meia, os jornais se referem à ópera com generosidade. Admitem que o gênero "está voltando". Para começo de conversa, não é bem assim, ou melhor, nunca foi assim. Em seu apogeu, a ópera foi consumida apenas por uma elite, pelas camadas aburguesadas, por alguns segmentos do público que nela viam a melhor síntese do teatro e da música.
E também não é verdade que a onda está voltando. A ópera, como Minas Gerais, está onde sempre esteve. Em sua homenagem foram construídos os palcos mais suntuosos do mundo. Ela exigia a solenidade, o ritual luxuoso, o ambiente de lustres e mármores. Mas nem só disso vive, viveu ou viverá uma ópera.
O declínio nasceu de duas vertentes: de um lado, a falta de compositores entusiasmados pelo gênero. De outro, a ausência de grandes vozes. A reprodução mecânica, mais tarde a elétrica e eletrônica, tornou relativamente fácil a qualquer fiapo de voz ser ouvido e sentido em enormes recintos, até mesmo a céu aberto. A ópera não é o berro. Contudo, ela impõe, olimpicamente, a bravura de voz, é tecida de momentos altos, repetidos transes de virtuosismo que se encontram, aliás, em outros gêneros de arte ou do esporte: numa "jazz session", numa fuga sinfônica, num drible de futebol, num salto com vara ou numa corrida de 100 m.
Não é por aí que a porca torce o rabo. De uma forma ou de outra, sempre aparecem cantores de peso -e bota peso nisso. Depois de Caruso, tivemos Gigli, Tagliavini, Di Stefano, del Monaco. Temos hoje a trindade que ainda gravará "Babalu": Pavarotti, Domingo e Carreras. No naipe feminino, sempre aparecem novas Tebaldis, Callas e Frenis. Basta citar a estonteante Maria Ewing -que o Glundebourne Festival lançou numa "Carmen" espetacular: ela canta, dança e interpreta genialmente, em cena parece uma versão do Michael Jackson misturado com Demi Moore.
Bem ou mal, despontam divas e divos que dão para o gasto. O diabo é que não mais aparecem os Puccinis, os Verdis, Bizets, Rossinis, Mozarts e Wagners. Cronologicamente, a última grande ópera foi a de Gershwin, mesmo assim ela aparece como fruto temporão. Não fosse o núcleo musical de "Summertime", talvez saísse definitivamente do repertório.
Quanto à temática, nunca houve nem haverá problema para a ópera. Mozart botou música em libretos baseados em autores seus contemporâneos, mas sua obra máxima, "A Flauta Mágica", é intemporal. Verdi cevou-se em Dumas Filho e Victor Hugo, que pertenciam ao mesmo século, mas em sua fase de gênio foi buscar Shakespeare: os dois se mereciam. Puccini, o que mais se adaptou à sua época, o primeiro compositor a escrever profissionalmente para o público internacional, que colocou em cena o criticado "milk punch o whisky", que introduziu na ópera o ragtime, o cake-walk, o bolero e o hino nacional norte-americano, encontrou seus melhores momentos em "Turandot" e "Gianni Schicchi" -drama e comédia que se passam séculos antes do nascimento do compositor.
O gosto musical, como qualquer outro gosto, vem, cresce, atinge o apogeu, torna-se moda -e aí começa a cair até morrer. O caso da ópera, contudo, não deixa de ser uma exceção. Justamente pela mão-de-obra que existe de autor, intérpretes, produtores e cenógrafos, depende de clima para explodir. É como um champanhe nobre que não se bebe a qualquer hora. Necessita espaço e circunstância.
Uma "Carmen" remontada no Rio, com elenco mais do que sofrível, há coisa de 15 anos esgotou 37 récitas. Pouco depois, outro Puccini ("La Bohéme") obrigou o Municipal do Rio a dar cinco récitas extraordinárias e esgotadíssimas para um público que não se cansa de ouvir a valsa da Mussetta e a tosse de Mimi.
Conheço gente que volta de Nova York deslumbrada com os espetáculos da Broadway: "Chorus Line", "Os Miseráveis", "O Fantasma da Ópera". São musicais esmerados, luxuosamente produzidos, na fórmula bem-sucedida de "My Fair Lady" e "Show Boat" - este por sinal remontado com sucesso há pouco. Vêm e passam. Esgotam-se em si mesmos, no sucesso meteórico e superficial. No entanto, "Carmen", "La Traviata", "Butterfly" e "Tosca" são remontadas em todo o mundo e periodicamente regravadas. Quem hoje se esbofa para ver "Chorus Line", que bateu todos os recordes da Broadway? Mas há fila em todo o mundo, e sempre, para ouvir a valsa da Mussetta e a tosse de Mimi.

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