São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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Gene regula pés e genitais, diz estudo

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nem a seriíssima revista científica britânica "Nature" resistiu à piada. Uma pesquisa publicada na edição de ontem da revista revelou que os mesmos genes controlam o desenvolvimento tanto do pé como da genitália externa, o pênis masculino ou o clitóris feminino.
A pesquisa "também sugere que aquelas piadas rudes sobre o significado do tamanho dos sapatos podem ter alguma base factual", declarou a equipe que divulga a revista.
O estudo foi feito por Denis Duboule e mais três colegas, da Universidade de Genebra, na Suíça, e da Escola Médica da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, nos Estados Unidos.
Os cientistas partiram do pressuposto de que a família de genes conhecida como Hox é essencial para o desenvolvimento dos membros (pés e mãos, não o sexual). E resolveram estudar o papel de um subgrupo desses genes em camundongos.
Desse modo, os pesquisadores descobriram que os genes estudados tinham papel essencial no desenvolvimento de todos os membros, incluindo o sexual.
Camundongos mutantes
Para isso, eles produziram camundongos mutantes com técnicas clássicas de engenharia genética. Foram produzidos bichos sem vários dos genes da família Hox em combinações variadas.
Havia camundongos que não tinham nenhum dedo, nem genitália. Outros tinham versões truncadas desses membros.
Duboule e seus colaboradores perceberam que "essa redução progressiva do broto celular genital com a redução da dose de genes Hox foi acompanhada de reduções proporcionais no tamanho do dígito".
Os cientistas das equipes de Ann Arbor e de Genebra concluíram que a família Hox de genes está envolvida na formação das chamadas estruturas "apicais" do corpo (isto é, os "ápices", pontos mais altos ou terminais, como os pés e o pênis).
As análises que os pesquisadores fizeram das células dos fetos de camundongos revelaram a completa ausência da genitália externa.
Para sorte dos bichos, os fetos morreram todos ainda no útero da mãe, em vez de nascerem sem patas e pênis ou clitóris -sem contar com a ausência também reportada da uretra e da bexiga urinária. Apesar de terem rins (os órgãos que produzem a urina), eles não teriam como urinar.
Os pesquisadores especulam que o desenvolvimento dessas estruturas apicais -genitália externa e dígitos- possa estar relacionado com a passagem dos seres vivos do meio aquático para o terrestre, um episódio da evolução biológica ocorrido há cerca de 400 milhões de anos.
Peixes não possuem patas nem genitália externa. Acredita-se, graças a provas fósseis, que os primeiros animais com quatro patas ("tetrápodes") eram aquáticos, mas não se sabe se tinham genitália externa.
"Um órgão genital poderia não estar vinculado à vida em terra, mas poderia refletir a necessidade de uma fertilização interna mais elaborada", dizem Duboule e colegas.
É possível que o primeiro animal com quatro patas também já tivesse genitais externos. Ou pode ser que um tenha surgido antes do outro, numa variante da conhecida história sobre a origem do ovo e da galinha -quem surgiu primeiro, o pênis ou o pé?

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