São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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Economia ameaça lua-de-mel de FHC e Menem

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

É irônico: os presidentes Carlos Menem (Argentina) e Fernando Henrique Cardoso (Brasil) reúnem-se amanhã, em Brasília, em um momento de lua-de-mel quase perfeita nas relações bilaterais.
Mas é também o momento em que a lua-de-mel entre as finanças internacionais e ambos os países vive forte turbulência, com reflexos diretos num terceiro namoro, o da opinião pública de Brasil e Argentina com seus respectivos presidentes.
No Brasil, pesquisa do Datafolha publicada domingo passado mostrou queda na confiança do público paulistano em relação ao real e retrocesso no prestígio de FHC.
Na Argentina, antes do terremoto financeiro global, a pesquisa que de fato conta, a das urnas, fora fortemente negativa para Menem.
O presidente argentino, pela primeira vez em 10 anos, foi derrotado eleitoralmente, dia 26 passado, embora o pleito tivesse âmbito limitado (renovava 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados).
Menem ainda tentou se fazer de desentendido com a mensagem das urnas. Chegou a cantar vitória, com o argumento de que o modelo que implementou na Argentina desde a posse, em 1989, saíra vitorioso porque a oposição não o contestara.
Agora, no entanto, o discurso está mudando. Na quarta-feira, o antecessor de Menem, Raúl Alfonsín (UCR), coordenador da Aliança, já avisava: "Durante a campanha, não dissemos tudo o que pensávamos". Alfonsín pensa em afastar-se mais e mais do modelo econômico.
No Brasil, a oposição de esquerda nunca aceitou o modelo, mas tampouco foi capaz de pôr de pé uma alternativa de apelo eleitoral.
A crise financeira global, no entanto, alterou um dado da equação: cresce a cada dia o número de economistas (tanto de esquerda como de direita) que criticam a política cambial, âncora essencial para a derrubada da inflação.
Só esta semana, pediram mudanças no câmbio, pela direita, os ex-ministros Pratini de Moraes e Ernane Galvêas. Pela esquerda, o economista Paul Singer (PT), entre outros. A sensação de que a sobrevalorização do real ante o dólar é insustentável é manifestada também do lado argentino.
Tanto que a central empresarial UIA (União Industrial Argentina) está propondo que Menem adote uma alíquota de 10% para as importações procedentes do Brasil, se FHC desvalorizar o real.
Uma moeda sobrevalorizada dificulta as exportações. Logo, se o real for desvalorizado, o Brasil teria mais facilidades para vender sua produção na Argentina, o que explica a proposta da UIA.
Mas a reação do Banco Central brasileiro à tempestade da semana anterior parece ter sido suficiente para acalmar os argentinos.
É pelo menos o que diz Félix Peña, especialista argentino em relações internacionais: "A impressão que se tem em Buenos Aires é muito positiva em relação à coerência e coesão com que o governo brasileiro reagiu".
Claro que nem Menem nem FHC têm a mais remota intenção de mexer no câmbio. A resposta que os dois presidentes pretendem dar, quando se reunirem amanhã, chama-se Mercosul, o bloco formado também por Paraguai e Uruguai. Em declaração conjunta, Menem e FHC manifestarão o firme compromisso de aprofundar o Mercosul, insinuando que o bloco é um anteparo contra a crise financeira global, embora não seja suficiente para impedir suas sequelas.

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