São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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Uma nova casa brasileira

MARCELO TRAMONTANO

De meados dos anos 60 para cá, o perfil da população brasileira vem se alterando de maneira clara e, aparentemente, irreversível. Foram provavelmente a liberação da mulher e a sua inserção no mercado de trabalho que acabaram modificando as relações entre pais, mães e filhos, permitindo o aparecimento de novos formatos familiares -jovens vivendo sós, casais sem filhos por opção, casais não-casados oficialmente etc.
Até a família nuclear, aquela formada por pai, mãe e filhos, padrão dominante no Brasil, mudou, já que dos filhos não mais se espera obediência cega, mas, principalmente, sucesso profissional. Além disso, novos modos de vida têm surgido principalmente nas grandes cidades, incluindo a volta do trabalho em casa -eventualmente plugado a alguma rede de transmissão de informações-, o culto ao corpo, as preocupações de caráter ambiental, o superequipamento do espaço doméstico.
Apesar disso, a habitação brasileira insiste em basear-se no modelo burguês parisiense do século 19, organizando-se em áreas inabalavelmente classificadas como social, íntima e de serviços. Fato curioso no país das desigualdades, essa ordem independe das classes sociais.
No entanto, algumas aspirações da população começam a traduzir-se em interesse por publicidades que oferecem espaços superflexíveis, lofts, espaços multiuso etc, ainda que o produto anunciado seja absolutamente idêntico aos apartamentos convencionais.
Por outro lado, apesar de prioritárias em países como a França, o Canadá e o Japão, essas preocupações não têm feito parte da agenda dos arquitetos brasileiros. Quando colocados no papel de responsáveis pela formação de novos profissionais, esses mesmos arquitetos têm costumado apresentar o modelo convencional como meta a ser atingida: um bom projeto de habitação, ensinam, deve organizar-se em áreas social, íntima e de serviços.
O que se vê hoje por exemplo em São Paulo é o surgimento de novas formulações de antigos conceitos, como o da flexibilidade, enunciadas por investidores internacionais que têm detectado as mesmas novas demandas também em outras partes do planeta.
Para que o redesenho dos espaços domésticos não se faça apesar de arquitetos e usuários, parece ser necessário um esforço conjunto de arquitetos, construtores e investidores elaborando projetos que se constituam em alternativas plausíveis aos modelos vigentes, mais bem adequadas aos novos modos de vida da sociedade. Para isso é preciso sensibilizar construtores e investidores locais, indicando-lhes a existência dessa enorme demanda potencial.
É preciso também lembrar os arquitetos que a última revisão séria e consequente do desenho dos espaços domésticos ocorreu há quase um século, durante o que se convencionou chamar de Movimento Moderno em Arquitetura, e que novas revisões fazem-se mais que necessárias. E, ainda, informar o público de que é seu direito habitar espaços que reflitam seus novos hábitos.

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