São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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O importante é defender o Real

FERNANDO BEZERRA

Entre as muitas interrogações semeadas no país pelos impactos do crash de Hong Kong, a mais inquietante se relaciona ao comportamento da oposição.
Neste momento de crise e incerteza, o único aspecto realmente importante é a defesa do Real, nosso maior patrimônio. Portanto, todas as forças políticas deveriam somar esforços construtivos e compartilhar as responsabilidades dos sacrifícios com vista a esse fim.
Aos que se perfilam contra o governo, pode parecer tentador ver na brutal alta dos juros um imperdível flanco vulnerável para golpear a candidatura do presidente à reeleição.
É uma forma errada de ver as coisas. A 11 meses das eleições, o que está em jogo não é o prestígio ou a perda de popularidade presidencial, mas, unicamente, que a sociedade brasileira possa minimizar as perdas e danos provocados pelo vendaval das Bolsas.
Todos perderam. O Estado, porque a dívida pública escala perigosos pontos nos gráficos. O empresário, porque é impossível investir com juros estratosféricos como os atuais, sem paralelo no planeta. E o consumidor, que terá de gastar menos e arcar com juros muito desproporcionais aos esperados quando a inflação se aproxima de zero.
Mas, acima de tudo, perdeu a nação brasileira, que viu, da noite para o dia, a sua competitividade ser ainda mais enfraquecida pelo "custo Brasil". E, assim, passou a se sentir mais ameaçada pelo fantasma do desemprego, preocupação número um da sociedade, segundo pesquisa recente da CNI.
O exemplo do presidente da República não poderia ser melhor. Não hesitou em tomar medidas altamente impopulares nem em colocar a salvaguarda da moeda acima de objetivos eleitorais. Desse modo, demonstrou a segurança e a clareza de propósitos que a gravidade da situação estava a exigir.
Não por acaso, a oposição se dividiu. Os partidos de maior expressão -PT, PPS e PSB- parecem estar inclinados a colocar a estabilidade como valor essencial e prioritário. O PDT e o PC do B não se revelam dispostos a seguir o mesmo caminho. Cedo ou tarde, descobrirão o erro de apostar na velha teoria do "quanto pior, melhor". Contudo a atitude não deixa de preocupar.
É fácil compreender as razões de uma necessária convergência em favor do Real. Não se pode subestimar a magnitude dos juros. A elevação da taxa básica para 3,05% ao mês, num ambiente de virtual estabilidade de preços, é muito mais significativa que a elevação para 4,25% em março de 1995, quando a inflação ainda estava em 2% ao mês.
Esse quadro é insustentável por um prazo longo. Ou muda ou a economia pára. No patamar em que estão, os juros terão efeitos profundos sobre o nível de atividade, a inadimplência e o emprego. É o clássico círculo vicioso que nós tão bem conhecemos: as empresas demitem, pressionadas pelas dívidas, e o caldeirão social ferve.
Em paralelo, a posição cambial brasileira foi agravada pela desvalorização das moedas asiáticas, nossos concorrentes diretos em múltiplos mercados.
Embora exista uma defasagem de câmbio, não é o caso de pensar numa desvalorização. Mas é impossível fechar os olhos à realidade. O contágio sofrido pelo Brasil não resulta apenas de um choque externo. Também tem origem numa economia às voltas com sérios problemas de competitividade.
Daí a exigência da união dos partidos, para acelerar soluções em dois cenários. No plano conjuntural, fazendo com que os juros recuem, desativando a bomba recessiva e abrindo caminho ao crescimento continuado. No âmbito das reformas, apressando as votações no Congresso, procurando tornar a economia mais resistente à volatilidade dos mercados globalizados.
É lógico concluir que se trava uma corrida contra o tempo. Criar condições para sair rapidamente da crise é tarefa de todos. Não bastam declarações de intenções. É preciso arregaçar as mangas e trabalhar. Também não é "hora de procurar dividendos eleitorais", como oportunamente concluiu o economista do PT Aloizio Mercadante.
A situação é grave. Para aqueles que gostam de analogias históricas, basta lembrar o elevado preço eleitoral pago por quem, no passado, tentou puxar o tapete do Plano Real. Agora, o tema é bem mais delicado, espinhoso mesmo, porque o plano se converteu num êxito e a sociedade exige sua consolidação.
Isso significa dizer que, quanto mais forte e eficaz for a cooperação, mais cedo os juros irão baixar e as reformas irão sair do papel. Encarar a realidade por outra ótica é estar na contramão do mundo concreto e real, que rejeita, com vigor, qualquer política que seja sinônimo de juros altos e desemprego.

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