São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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O controle democrático da TV

LAURINDO LALO LEAL Fº
ESPECIAL PARA A FOLHA

O barulho em torno da guerra dominical pela audiência da TV vai acabar logo. Já foi assim outras vezes. Os mais velhos lembram do espírito do "Seu Sete", baixando nos auditórios do Chacrinha, Flávio Cavalcanti e Silvio Santos nos idos de agosto de 1971. Foi um alvoroço.
A ditadura ameaçou intervir, mas os produtores foram rápidos, "domesticaram" os seus programas e tocaram em frente. A história vai se repetir.
O domingo televisivo ficará menos emocionante sem o "sushi erótico" ou os seios de fora, mas nem por isso menos imbecilizado. Ou antes desses pratos "quentes" serem servidos, havia vida inteligente naqueles programas? Claro que não.
Como não há em quase toda a programação da TV comercial brasileira que vai da Xuxa ao Ratinho, passando por diversas rotas do crime. São pratos diários, que não provocam tanto escândalo, mas que talvez sejam ainda mais perniciosos do que os do cardápio dominical.
Só existe uma saída: a criação de mecanismos democráticos de controle público da TV. Trata-se de um tabu que precisa ser enfrentado com coragem. Longos anos vividos sob censura fazem com que muita gente tenha calafrios ao ouvir essa proposta.
Desse temor se aproveitam alguns interessados na preservação do atual estado de coisas. Para tanto, usam argumentos frágeis, do tipo "não gostou muda de canal". Como se isso mudasse alguma coisa, num mercado que não permite qualquer possibilidade de escolha real e onde todas as ofertas são iguais.
A melhor TV do mundo, a do Reino Unido, só é tão boa porque funciona sob controle. Para isso, o Parlamento criou dois órgãos. Um deles é o Broadcasting Standards Council, que acompanha temas que possam ferir o "bom gosto e a decência", o uso correto da língua e a dignidade dos cidadãos na cobertura de "desastres naturais ou tragédias humanas".
O outro órgão é a Broadcasting Complaints Comission que analisa as queixas dos telespectadores, que vão da invasão de privacidade até o tratamento considerado grosseiro com algum entrevistado. Além da existência de um permanente controle de qualidade exercido pelos conselhos diretores da BBC e da ITC, o órgão regulador da tevê comercial.
Não há censura. As análises dos programas são feitas "a posteriori" e rotineiramente, com a divulgação ampla dos seus resultados. Quem insiste em sair da linha pode ser advertido, multado e até ter a concessão cassada.
Fecha-se, com antecedência, qualquer espaço para o surgimento de possíveis banheiras e banquetes dominicais, de estímulos ao erotismo nos programas infantis ou do humorismo fácil, feito de preconceitos e estereótipos.
Aqui ainda estamos longe disso, mas o debate atual já é um grande avanço. É importante mantê-lo vivo para que um dia a tevê brasileira esqueça um pouco o consumidor e comece a conversar com o cidadão.

Laurindo Lalo Leal Filho, jornalista, é professor livre-docente da USP e autor dos livros "Atrás das Câmeras" e "A Melhor TV do Mundo", publicados pela Summus Editorial.

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