São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Meijide defende união da esquerda no Brasil

LÉO GERCHMANN
DE BUENOS AIRES

Depois de encerradas as eleições legislativas na Argentina, com a expressiva vitória da Aliança UCR-Frepaso, de oposição, uma das primeiras perguntas feitas pelos jornalistas locais para a deputada nacional eleita Graciela Fernández Meijide, 66, foi sobre a possibilidade de concorrer à Presidência da República. "Não quero falar sobre isso agora", procurou despistar a atual senadora.
Por trás disso, havia uma certeza: o seu nome é a grande novidade na política argentina e, sendo assim, um dos mais cotados para enfrentar o peronismo em 1999.
Meijide, uma admiradora das ex-chefes de governo Golda Meir, israelense, e Margaret Thatcher, britânica, perdeu o mais moço de seus quatro filhos na ditadura militar, aderiu à causa dos direitos humanos e à política.
Em entrevista concedida à Folha (representando o Brasil) e a jornais de Cuba, Paraguai, Chile, México e Holanda, a senadora da Frepaso defende que o PDT e o PT se unam em uma aliança de esquerda também no Brasil.
*
Folha - A senhora acha importante que no Brasil também haja uma aliança de esquerda, para combater um modelo socioeconômico semelhante ao argentino?
Meijide - Normalmente, não gosto de falar na política de outros países, mas esta é uma época para coalizões. Estive com o (ex-governador Leonel) Brizola e com pessoas do PT em algumas oportunidades e pude comprovar o empenho com que eles estão tratando o assunto. Quanto mais representada estiver a sociedade, melhor.
Folha - As coalizões propiciam esta representatividade?
Meijide - Entendo que sim. O próprio governo brasileiro é composto por uma coalizão. Aqui na Argentina, nós teremos uma democracia mais equilibrada, com forças que podem fazer cobranças e com o fim das imposições exercidas por um governo.
Folha - Para o Mercosul, ela é importante?
Meijide - Basta dizer que o presidente dos EUA, Bill Clinton, chegou ao Brasil e à Argentina querendo negociar com os países individualmente e saiu sabendo que terá de negociar com o Mercosul, com o bloco dos países. Esse tipo de fortalecimento é importante para os países pobres e é importante também para os partidos de esquerda conseguirem estabelecer mais justiça social.
Pergunta - Os argentinos votaram num programa político ou em pessoas?
Meijide - Houve uma advertência ao governo. A Argentina é um país que está aprendendo a viver na democracia, com freios e contrapesos. A sociedade reagiu porque viu que o poder absoluto corrompe. É um voto de esperança. Agora haverá equilíbrio, melhoras nas instituições e na democracia.
Pergunta - A Argentina hoje vota mais na imagem de uma pessoa ou no partido?
Meijide - Se eu estivesse sozinha, não ganharíamos em nenhuma província.
Folha - Isso é uma evolução?
Meijide - Na verdade, a imagem da pessoa também pesa. Por isso, é trabalhada a imagem de um candidato. Se não fosse assim, eu não deixaria de ser senadora. Deixei de ser porque acredito num projeto político. Houve uma evolução porque as pessoas deixaram de defender cegamente um partido específico. As pessoas chegaram à conclusão de que nem o presidente Carlos Menem nem (o governador de Buenos Aires, Eduardo) Duhalde queriam fazer mudanças, e são necessárias mudanças quanto ao desemprego e à corrupção.
Folha - O peronismo (o PJ, partido de Menem) tem sofrido divisões. A senhora aceitaria que alguma dissidência entrasse na aliança?
Meijide - Não duvido que isso ocorra. Era previsível uma crise dentro do justicialismo (partido dos peronistas). Menem se considera mais importante do que os outros. Ele é muito personalista. Pode ser que peronistas deixem o governo e se aliem à aliança. Estaremos abertos.
Folha - A senhora saiu como a grande vencedora das eleições legislativas. Abandonou o Senado por ter um projeto político. Esse projeto é a presidência?
Meijide - Não sei. Não pedi nem para ser candidata a deputada. Nesse momento, se alguém falar em candidatura poderá estar rompendo a aliança. Não é o momento. O radicalismo (UCR) sempre foi antialiancista. Foi difícil chegarmos a essa aliança. Temos de mantê-la.
Pergunta - O que a senhora acha, na política externa, da viagem de Menem ao Reino Unido e da posição em relação ao boicote econômico que os Estados Unidos vem impondo a Cuba?
Meijide - A viagem ao Reino Unido é inconveniente se não está definido que um dos assuntos na pauta seja as Malvinas. A viagem parece ser mais um desejo pessoal do presidente, que poderia ser satisfeito depois que ele deixasse o governo. Quanto a Cuba, o bloqueio só serve para sacrificar um povo. Não muda nada.
Folha - O que representa a ascensão de alguém proveniente do movimento dos direitos humanos?
Meijide - Quanto aos desaparecidos, por mais que isso me doa, jamais haverá justiça, e eu luto por coisas difíceis, não por coisas impossíveis. Os que se beneficiaram com a lei do "ponto final" já se beneficiaram. Houve aquilo que em direito se chama "coisa julgada". É uma questão técnica e política.

LEIA MAIS sobre Meijide na página 2-10

Texto Anterior: Vestígios do Muro de Berlim vão virar museu; Sérvio diz ter matado 120 na ex-Iugoslávia; Método pode bloquear vinda da menopausa; Jornalistas de oposição são detidos na Nigéria; Falsos policiais matam 28 pessoas na Argélia; Premiê israelense visita EUA e não vê Clinton
Próximo Texto: Ieltsin tenta vender gasoduto à China
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.