São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997 |
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"Bocage" é ode ao desejo e à liberdade
JOSÉ GERALDO COUTO
O filme, que tem hoje pré-estréia promovida pela Sociedade Amigos da Cinemateca, foi o grande injustiçado do Festival de Gramado deste ano, de onde saiu só com o prêmio especial do júri. A partir da figura do português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) -um dos maiores e mais controvertidos poetas da língua-, "Bocage" erige uma ode à poesia, ao desejo e à liberdade. O elenco, com Victor Wagner à frente, é quase todo oriundo da montagem teatral de "Calígula", dirigida pelo próprio Batista. Parece incrível, mas uma produção feita só com atores de teatro, com figurinos e cenários reciclados, fortemente teatral na estilização, na cenografia e na encenação, e ainda por cima baseada essencialmente na declamação de poemas, resultou num filme de beleza e intensidade invulgares. As primeiras imagens causam estranhamento: o poeta, dentro de uma gaiola em forma de astrolábio, flutua solitário no mar, pouco antes de atracar numa praia cheia de homens musculosos e bizarramente vestidos (ou despidos). A expansão ultramarina, o degredo e o desejo. É no jogo entre esses termos que o filme se desenvolverá, dividido grosso modo em três partes: o amor, a língua portuguesa, a amizade. Superado o susto inicial, o espectador embarca na experiência ímpar de acompanhar um cinema que se inventa a cada cena. As imagens, captadas em cinemascope em praias do Ceará, na Amazônia, no Iguaçu e em aldeias portuguesas, são de uma exuberância avassaladora, mas não se esgotam no pictórico: integram-se organicamente ao movimento dramático do filme. Os achados de cenografia se sucedem: quando fala da língua portuguesa, Bocage está cercado de palavras manuscritas nas paredes e no chão; em outra cena, as luzes de repente se apagam, deixando o poeta iluminado apenas por uma constelação de velas. A liberdade narrativa é total. Uma personagem sai de um palácio e vê-se diante de uma tapera de pau-a-pique. Os continentes, cenários e paisagens misturam-se acintosamente, sem que se perca o fio da narrativa: o inventário sexual e afetivo do poeta. Os excessos alegóricos do filme não comprometem sua opulência visual e sonora. Obra de paixão transbordante, "Bocage" não recua nem diante do kitsch nem do obsceno. Poesia visual não-pasteurizada, enfim. Filme: Bocage - O Triunfo do Amor Direção: Djalma Limongi Batista Quando: pré-estréia hoje, às 21h, no cine Bristol Texto Anterior: 'Os Eleitos' separa heróis Próximo Texto: Mix Brasil destaca curtas brasileiros Índice |
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