São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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Pop nacional vira caso de polícia

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cerco se aperta sobre o pop brasileiro. A prisão, na semana passada, dos integrantes da banda carioca Planet Hemp por suposta apologia às drogas é, antes de fato isolado, a ponta do iceberg de um ataque repressivo que o poder constituído começa a intensificar sobre o cenário musical nacional.
Comparável à prisão do Planet Hemp é a reação violenta da polícia de Recife (PE), também na semana passada, contra o show da banda local Faces do Subúrbio (leia texto à pág. 5-3).
Mais: nas últimas semanas, a vigilância do Juizado de Menores sobre shows em São Paulo e Rio de Janeiro redobrou.
Os dois shows da banda carioca O Rappa no Palace (SP), há duas semanas, foram proibidos para menores de 18 anos. De última hora, o Juizado de Menores de Santo Amaro interditou o show porque o Palace não havia solicitado alvará específico de permissão.
O Palace -como a maioria das casas de espetáculo- possui alvará que estabelece a censura 14 anos a seus shows. O pedido de alvará específico é comum em casos de shows infantis, quando se pretende a entrada de menores de 14.
Na temporada de Fernanda Abreu no Palace, na semana passada, foram admitidos menores de 14 a 17 desde que acompanhados pelos responsáveis. Os que foram ficaram isolados dos maiores.
"Foi uma solução preconizada pelo próprio Palace, para preservar o menor de ter contato com coisas que possam não ser boas para sua formação", justifica o diretor da casa, Luciano Nogueira.
Fernanda Abreu e Yuka, baterista e compositor do Rappa, afirmam que policiais -e mesmo o delegado regional- assistiram a seus shows da platéia.
"Com tanto bandido na rua, eles vão a lugares onde só vai rico", critica Fernanda. Oito pessoas foram detidas no primeiro dia de show do Rappa por porte de droga.
Sugestão
Segundo Fernanda, um funcionário do Palace teria pedido delicadamente, por sugestão do delegado, que a música "Bloco Rap Rio" -que contém excertos de músicas sobre maconha (inclusive "Legalize Já", do Planet Hemp)- fosse excluída do show. "Desconheço esse pedido de exclusão", afirma Nogueira.
"Não tirei a música e nem vou tirar. Não tiro porra nenhuma, não vivo numa ditadura", afirma Fernanda. "São músicas de compositores que estão nas ruas, no meu disco. Eles desconhecem minha música, é equivocado censurar meu show para menores. Ele é quase educativo, fala do Brasil de Silas de Oliveira a Planet Hemp."
Fernanda fala sobre a prisão do Planet: "É terrível, as pessoas deviam se pronunciar. O ministro da Cultura, Francisco Weffort, um homem esclarecido, o FHC, que é quase de centro-esquerda, quero ver um pronunciamento deles".
Por enquanto, nem a Sony, gravadora do Planet Hemp, se pronunciou nem tomou qualquer atitude pública -a produtora da banda nomeou um advogado de defesa por conta própria.
Procurada pela Folha por dois dias seguidos, a gravadora tem uma só resposta: "A Sony não tem nada a declarar. Não há nada a dizer neste momento".
A Folha procurou, também, o delegado Eric Castro, titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes do DF, responsável pela prisão do Planet. Recebeu a informação de que o juiz Vilmar Pinheiro, da 1ª Vara de Entorpecentes do DF, decretou sigilo sobre o caso.
O juiz não respondeu a telefonemas do jornal ontem e anteontem. Os integrantes da banda, segundo a polícia, estão incomunicáveis -mas receberam visita do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).
MPB estabelecida
"A barra está pesando, tenho medo de forjarem um flagrante em cima de nós", diz Yuka, do Rappa.
"Nossa obra não é de apologia, embora sejamos claramente a favor da descriminação. Isso tudo é prova cabal de que a democracia no Brasil não é uma coisa séria. O Planet está preso, e os caras que tocaram fogo no índio estão soltos."
Ele continua: "Espero que a classe artística já estabelecida se posicione a favor da liberdade de expressão. É preciso que quem já passou por isso coloque o seu na reta. Uma palavra em favor do Planet teria muito peso, é impossível que eles não percebam isso."

LEIA MAIS sobre polêmicas no pop brasileiro à pág. 5-3

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