São Paulo, sábado, 15 de novembro de 1997
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Leia a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos

O Comitê de Especialistas Governamentais, convocado em julho de 1997 para a conclusão de um projeto de declaração sobre o genoma humano, examinou o esboço preliminar revisto redigido pelo Comitê Internacional de Bioética. Ao término de suas deliberações, em 25 de julho de 1997, o Comitê de Especialistas Governamentais, no qual mais de 80 Estados estiveram representados, adotou por consenso o Projeto de uma Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, que foi apresentado para adoção na 29ª sessão da Conferência Geral da Unesco (de 21 de outubro a 12 de novembro de 1997).

A. Dignidade Humana e o Genoma Humano
Artigo 1º
O genoma humano subjaz à unidade fundamental de todos os membros da família humana e também ao reconhecimento de sua dignidade e diversidade inerentes. Num sentido simbólico, é a herança da humanidade.
Artigo 2º
a) Todos têm o direito ao respeito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas.
b) Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade.
Artigo 3º
O genoma humano, que evolui por sua própria natureza, é sujeito a mutações. Ele contém potencialidades que são expressas de maneira diferente segundo o ambiente natural e social de cada indivíduo, incluindo o estado de saúde do indivíduo, suas condições de vida, nutrição e educação.
Artigo 4º
O genoma humano em seu estado natural não deve dar lugar a ganhos financeiros.

B. Direitos das Pessoas Envolvidas
Artigo 5º
a) Pesquisas, tratamento ou diagnóstico que afetem o genoma de um indivíduo devem ser empreendidas somente após a rigorosa avaliação prévia dos potenciais riscos e benefícios a serem incorridos, e em conformidade com quaisquer outras exigências da legislação nacional.
b) Em todos os casos é obrigatório o consentimento prévio, livre e informado da pessoa envolvida. Se esta não se encontrar em condições de consentir, o consentimento ou autorização deve ser obtido na maneira prevista pela lei, orientada pelo melhor interesse da pessoa.
c) Será respeitado o direito de cada indivíduo de decidir se será ou não informado dos resultados de seus exames genéticos e das consequências resultantes.
d) No caso de pesquisas, os protocolos serão, além disso, submetidos a uma revisão prévia em conformidade com padrões ou diretrizes nacionais e internacionais relevantes relativos a pesquisas.
e) Se, de acordo com a lei, uma pessoa não tiver a capacidade de consentir, as pesquisas relativas a seu genoma só poderão ser empreendidas com vistas a beneficiar diretamente sua própria saúde, sujeitas à autorização e às condições protetoras descritas pela lei. As pesquisas que não previrem um benefício direto à saúde somente poderão ser empreendidas a título de exceção, com restrições máximas, expondo a pessoa apenas a riscos e ônus mínimos e se as pesquisas visarem contribuir para o benefício da saúde de outras pessoas que se enquadram na mesma categoria de idade ou que tenham as mesmas condições genéticas, sujeitas às condições previstas em lei, e desde que tais pesquisas sejam compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo.
Artigo 6º
Ninguém será sujeito à discriminação baseada em características genéticas que vise infringir ou exerça o efeito de infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana.
Artigo 7º
Quaisquer dados genéticos associados a uma pessoa identificável e armazenados ou processados para fins de pesquisa ou para qualquer outra finalidade devem ser mantidos em sigilo, nas condições previstas em lei.
Artigo 8º
Todo indivíduo terá o direito, segundo a lei internacional e nacional, à justa reparação por danos sofridos em consequência direta e determinante de uma intervenção que tenha afetado seu genoma.
Artigo 9º
Com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, as limitações aos princípios do consentimento e do sigilo só poderão ser prescritas por lei, por razões de força maior, dentro dos limites da legislação pública internacional e da lei internacional dos direitos humanos.

C. Pesquisas com o Genoma Humano
Artigo 10
Nenhuma pesquisa ou aplicação de pesquisa relativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for o caso, de grupos de pessoas.
Artigo 11
Não serão permitidas práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clonagem reprodutiva de seres humanos. Os Estados e as organizações internacionais competentes são convidados a cooperar na identificação de tais práticas e a determinar, nos níveis nacional ou internacional, as medidas apropriadas a serem tomadas para assegurar o respeito pelos princípios expostos nesta Declaração.
Artigo 12
a) Os benefícios decorrentes dos avanços em biologia, genética e medicina, relativos ao genoma humano, deverão ser colocados à disposição de todos, com a devida atenção para a dignidade e os direitos humanos de cada indivíduo.
b) A liberdade de pesquisa, que é necessária para o progresso do conhecimento, faz parte da liberdade de pensamento. As aplicações das pesquisas com o genoma humano, incluindo aquelas em biologia, genética e medicina, buscarão aliviar o sofrimento e melhorar a saúde dos indivíduos e da humanidade como um todo.

D. Condições para o Exercício da Atividade Científica
Artigo 13
As responsabilidades inerentes às atividades dos pesquisadores, incluindo o cuidado, a cautela, a honestidade intelectual e a integridade na realização de suas pesquisas e também na apresentação e na utilização de suas descobertas, devem ser objeto de atenção especial no quadro das pesquisas com o genoma humano, devido a suas implicações éticas e sociais. Os responsáveis pelas políticas científicas, em âmbito público e privado, também incorrem em responsabilidades especiais a esse respeito.
Artigo 14
Os Estados devem tomar medidas apropriadas para fomentar as condições intelectuais e materiais favoráveis à liberdade na realização de pesquisas sobre o genoma humano e para levar em conta as implicações éticas, legais, sociais e econômicas de tais pesquisas, com base nos princípios expostos nesta Declaração.
Artigo 15
Os Estados devem tomar as medidas necessárias para prover estruturas para o livre exercício das pesquisas com o genoma humano, levando devidamente em conta os princípios expostos nesta Declaração, para salvaguardar o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana e para proteger a saúde pública. Eles devem buscar assegurar que os resultados das pesquisas não sejam utilizados para fins não-pacíficos.
Artigo 16
Os Estados devem reconhecer a importância de promover, nos diversos níveis apropriados, a criação de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, para avaliar as questões éticas, legais e sociais levantadas pelas pesquisas com o genoma humano e as aplicações das mesmas.

E. Solidariedade e cooperação Internacional
Artigo 17
Os Estados devem respeitar e promover a prática da solidariedade com os indivíduos, as famílias e os grupos populacionais que são particularmente vulneráveis a, ou afetados por, doenças ou deficiências de caráter genético. Eles devem fomentar pesquisas "inter alia" sobre a identificação, prevenção e tratamento de doenças de fundo genético e de influência genética, em particular as doenças raras e as endêmicas, que afetam grande parte da população mundial.
Artigo 18
Os Estados devem envidar todos os esforços, levando devidamente em conta os princípios expostos nesta Declaração, para continuar fomentando a disseminação internacional do conhecimento científico relativo ao genoma humano, a diversidade humana e as pesquisas genéticas e, a esse respeito, para fomentar a cooperação científica e cultural, especialmente entre os países industrializados e os países em desenvolvimento.
Artigo 19
a) No quadro da cooperação internacional com os países em desenvolvimento, os Estados devem procurar encorajar:
1. que seja garantida a avaliação dos riscos e benefícios das pesquisas com o genoma humano, e que sejam impedidos os abusos;
2. que seja desenvolvida e fortalecida a capacidade dos países em desenvolvimento de promover pesquisas sobre biologia e genética humana, levando em consideração os problemas específicos desses países;
3. que os países em desenvolvimento possam se beneficiar das conquistas da pesquisa científica e tecnológica, para que sua utilização em favor do progresso econômico e social possa ser feita de modo a beneficiar todos;
4. que seja promovido o livre intercâmbio de conhecimentos e informações científicas nas áreas de biologia, genética e medicina.
b) As organizações internacionais relevantes devem apoiar e promover as medidas tomadas pelos Estados para as finalidades acima mencionadas.

F. Promoção dos Princípios Expostos na Declaração
Artigo 20
Os Estados devem tomar medidas apropriadas para promover os princípios expostos nesta Declaração, por meios educativos e relevantes, inclusive, "inter alia", por meio da realização de pesquisas e treinamento em campos interdisciplinares e da promoção da educação em bioética, em todos os níveis, dirigida em especial aos responsáveis pelas políticas científicas.
Artigo 21
Os Estados devem tomar medidas apropriadas para encorajar outras formas de pesquisa, treinamento e disseminação de informações, meios estes que conduzam à conscientização da sociedade e de todos seus membros quanto as suas responsabilidades com relação às questões fundamentais relacionadas à defesa da dignidade humana que possam ser levantadas pelas pesquisas em biologia, genética e medicina e às aplicações dessas pesquisas. Também devem se propor a facilitar a discussão internacional aberta desse tema, assegurando a livre expressão das diversas opiniões socioculturais, religiosas e filosóficas.

G. Implementação da Declaração
Artigo 22
Os Estados devem envidar todos os esforços para promover os princípios expostos nesta Declaração e devem promover sua implementação por meio de todas as medidas apropriadas.
Artigo 23
Os Estados devem tomar as medidas apropriadas para promover, por meio da educação, da formação e da disseminação da informação, o respeito pelos princípios acima mencionados e para fomentar seu reconhecimento e sua aplicação efetiva. Os Estados também devem incentivar os intercâmbios e as redes entre comitês éticos independentes, à medida que forem criados, com vistas a fomentar uma cooperação integral entre eles.
Artigo 24
O Comitê Internacional de Bioética da Unesco deve contribuir para a disseminação dos princípios expostos nesta Declaração e para fomentar o estudo detalhado das questões levantadas por suas aplicações e pela evolução das tecnologias em questão. Deve organizar consultas apropriadas com as partes envolvidas, tais como os grupos vulneráveis. Deve fazer recomendações, de acordo com os procedimentos estatutários da Unesco, dirigidas à Conferência Geral, e emitir conselhos relativos à implementação desta Declaração, relativos especialmente à identificação de práticas que possam ser contrárias à dignidade humana, tais como intervenções nas células germinativas.
Artigo 25
Nada do que está contido nesta Declaração pode ser interpretado como uma possível justificativa para que qualquer Estado, grupo ou pessoa se engaje em qualquer atividade ou realize qualquer ato contrário aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, incluindo, "inter alia", os princípios expostos nesta Declaração.

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