São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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O pacote engolido

JANIO DE FREITAS

Mesmo que não se considerem as implicações negativas do pacote sobre as camadas desde a classe média aos mais pobres, seu grau de coerência com um regime democrático pode ser avaliado por outros três aspectos: compõem-no e impõem-no 18 medidas provisórias; embora nenhuma das providências requeresse sigilo, o governo enfeixou o poder de decisão em meia dúzia de tecnocratas, vetada qualquer representação da sociedade e, complemento apropriado do autoritarismo, a hipótese de que o Congresso não se restrinja ao mero papel de carimbador, que o vem caracterizando, sujeita-o à acusação de boicote e impatriotismo.
Projetos com pedido de tramitação urgentíssima seriam suficientes para a grande maioria dos componentes do pacote e respeitariam as exigências da Constituição, o que não acontece com muitas das MPs. O método praticado é a reprodução, com outro nome, do vigente no regime militar.
A recusa ao exame do pacote até com correligionários levou a asneiras várias. Prestador de serviço a Fernando Henrique em tempo integral, o senador José Serra não deixa de notar, porém, que o aumento de 400% na taxa de embarque aéreo é um erro financeiro e uma injustiça. A cobrança de IOF nas passagens daria alta arrecadação e tornaria a taxa proporcional ao percurso e à classe do viajante, em vez de onerar indistintamente a todos. Peessedebista autêntico, Serra nota o erro, tem uma boa proposta, mas votará na aprovação integral do pacote como está, ou seja, com aquele e outros erros -e um dia talvez explique se e como representa o eleitorado e serve ao interesse do país.
Terceira reafirmação do autoritarismo, Fernando Henrique não admite que o pacote receba alguma alteração, ainda que o Congresso lhe preserve o mesmo resultado final. Como não discutiu o pacote no devido tempo, o governo teve que voltar atrás, anteontem, na limitação das deduções do Imposto de Renda a 20%. Qualquer não-tecnocrata teria dito logo, diante da idéia de tal limitação, que para os cidadãos com despesas familiares expressivas em saúde, educação, pensões e dependentes, e são maioria na classe média, o corte da dedução representaria até 3O%, 40% de aumento do IR. Sem contar os 10% de aumento explícito no pacote.
Há mais e várias asneiras do gênero. Por que, por uma vezinha nesse governo que ou edita MP ou compra parlamentares, não poderia o Congresso relembrar o seu passado de Poder Legislativo e representante dos cidadãos e das entidades civis?
Em relação ao IR, o governo pode bem satisfazer-se com a limitação a 20%, já mantida, das deduções de dois tipos de gastos. Com a previdência, que representa, cada vez mais, um gasto duplo dos cidadãos: com a previdência governamental, que é um crime social, e com a previdência privada, um sacrifício amargo e necessário. E o desconto limitado com educação, que é cada vez mais onerosa, pelos aumentos de preço impunes e protegidos, e cada vez mais oprimida pelo governo. Inclusive no pacote, em que os professores Fernando Henrique e Paulo Renato Souza não perderam a oportunidade de enfiar outra brutal redução das bolsas de estudo e de pesquisa científica.
Os pacotes econômicos do regime militar eram mais democráticos. E tratados pela gente do poder com muito menos cinismo e mentiras.

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