São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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'Ódio' de hospital cria entidade

DA REVISTA DA FOLHA

"Foi um ódio muito grande que me moveu", conta a ex-enfermeira Aparecida Conceição Ferreira, 84, fundadora do Lar da Caridade, em Uberaba (MG), entidade que cuida de doentes do pênfigo foliáceo, nome científico do "fogo selvagem", síndrome que provoca feridas e escamações na pele de todo o corpo.
A história começou em 1958, quando Aparecida decidiu levar 12 doentes de "fogo selvagem" para casa, depois de eles terem sido expulsos do hospital onde estavam internados. "Quando vi aqueles pacientes na rua, fracos e sem ter para onde ir, senti muita raiva e decidi mostrar a eles que não se faz aquilo com um doente", conta.
Todo mundo tinha medo da doença, que provoca feridas terríveis, bolhas, coceiras e manchas vermelhas que "ardem como fogo". A falta de informação gerava mais preconceito, porque achava-se que a doença era contagiosa.
"Fiquei dois dias com eles em casa. Minha família, no começo, não aceitou. Exigiu que eu escolhesse entre eles e os doentes. Preferi os doentes", diz Aparecida.
A ex-enfermeira ficou muito tempo trabalhando sozinha em uma sala emprestada de um asilo. "Eu tinha de dar banho de permanganato neles, passar verniz de caseína. Ensinava os que estavam melhores a ajudar os doentes mais graves, porque não dava conta de tudo sozinha. A vizinhança queria me expulsar, reclamava das roupas, sempre sujas de pomadas, que davam um trabalhão para lavar."
Aos poucos, os filhos de Aparecida foram aceitando a decisão da mãe e passaram a ajudá-la. Foram necessários dez anos até que ela conseguisse montar um hospital, hoje com 150 leitos. "Cheguei a ter 300 pacientes. Fazia de tudo para mantê-los. Pedia esmolas e ia a São Paulo fazer campanhas."
Se há 40 anos havia medo e preconceito, a situação hoje não é muito diferente. Tanto que a equipe do Lar da Caridade ainda é formada basicamente pela família de Aparecida: sete filhos e vários dos 26 netos trabalham de graça.
"Os médicos têm preconceito dos pacientes com pênfigo porque é uma doença de pobre. Ninguém quer um deles no seu consultório", diz Luiz Guilherme Martins Castro, dermatologista do HC.
"A gente faz de tudo: cozinha, lava a roupa, faz serviço de enfermagem. É como se fosse nossa casa", diz Ivone Martins Evangelista, 54, a filha mais velha de Aparecida e a primeira a ajudar a mãe.

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