São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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"Recessão será por tempo determinado"

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

O pacote fiscal do presidente Fernando Henrique Cardoso condenou o Brasil à recessão, mas ela será mais curta e menos profunda do que a recessão que seria causada pela defesa do Real apenas com a política de juros altos. A opinião é do economista carioca José Alexandre Scheinkman, 49, diretor, há quase três anos, da Faculdade de Economia da Universidade de Chicago, primeiro estrangeiro a ocupar o cargo que já foi de Milton Friedman -economista ganhador do Prêmio Nobel de 1976.
Falando à Folha, ontem, por telefone, de Chicago, Scheinkman disse que o choque fiscal não vai jogar o país em uma longa recessão porque permitirá, consumados todos os seus efeitos no equilíbrio das contas públicas, a redução gradual das taxas de juros.
"O país, sem dúvida, se vê, hoje, diante de uma perspectiva de crescimento muito menor do que há três meses, mas a duração e a profundidade da recessão serão inversas às taxas de juros."
Segundo Scheinkman, o pacote fiscal reduz muito o efeito do contágio asiático no Brasil, mas é muito pouco para tirar o país da rota da turbulência financeira.
"O Brasil tem de aumentar a taxa de poupança interna para fortalecer sua defesa contra ataques externos. Nesse sentido, o pacote é muito importante porque diminui a despoupança do Estado."
Em entrevista anterior à Folha, em agosto do ano passado, Scheinkman já previa que o desequilíbrio fiscal e a lentidão das reformas causariam sérios problemas ao Plano Real.
Naquela ocasião, ele disse: "Toda vez que os políticos adiam o ajuste fiscal, diminui a nossa capacidade de crescimento, diminui a nossa capacidade de aumentar a produtividade, de aumentar o bem-estar. O desequilíbrio fiscal impede o aumento da poupança, da taxa de investimento e a melhoria do nível de educação". Leia, a seguir, trechos da entrevista.
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Folha - Como o sr. avalia o pacote fiscal do presidente Fernando Henrique Cardoso?
José Alexandre Scheinkman - Eu acho que se trata de um pacote fiscal forte e profundo, e que, na minha opinião, era necessário.
Folha - Havia alternativa a esse pacote?
Scheinkman - A necessidade desse tipo de ação era muito grande. Eu acho que tentar manter a estabilidade do Real neste momento somente por meio da política monetária teria sido uma maneira muito onerosa de fazê-lo.
Folha - Juros elevados não eram suficientes para defender o Real?
Scheinkman - Não eram suficientes porque para funcionar as taxas de juros teriam de ser mantidas em níveis tão elevados que causariam uma devastação na economia brasileira.
Folha - Mas o pacote também é recessivo. Concorda?
Scheinkman - Concordo. Mas a recessão vai ser menos profunda e mais rápida do que seria se a defesa do Real fosse feita somente com a política monetária.
Folha - Quando será possível uma redução significativa das taxas de juros?
Scheinkman - Isso é muito difícil de prever.
Folha - Muito ou pouco tempo?
Scheinkman - O que posso afirmar é que a duração e a profundidade dessa recessão vão ser inversas às taxas de juros. À medida que permitir a redução das taxas de juros do nível atual, como acredito ser possível, o pacote ajudará a aliviar o lado recessivo das medidas.
Folha - Não teríamos que esperar três trimestres consecutivos de crescimento negativo do PIB para afirmar que o país está em recessão?
Scheinkman - Essa é uma definição que tem a ver com o ciclo econômico norte-americano, não é uma definição absoluta em economia. Cada país tem características diferentes na sua recessão. Essa definição é do "National Bureau of Economics Research", de Washington, que é adotada pelos EUA, tem muito a ver com as características do ciclo norte-americano.
Folha - O sr. então não tem dúvida de que o pacote vai causar uma recessão no país?
Scheinkman - O pacote fiscal na verdade, consumados todos os efeitos, não vai causar uma longa recessão porque vai permitir que o Banco Central baixe a taxa de juros. Evidentemente, o que é preciso entender é que hoje estamos numa situação de perspectiva de crescimento menor em 1998 do que estávamos três meses atrás.
Folha - A ação do governo com a alta dos juros e o pacote fiscal é suficiente para afastar a possibilidade de um ataque especulativo contra o Real?
Scheinkman - Na minha opinião, esse pacote reduz muito o efeito do contágio asiático. Hoje, vamos precisar de um desastre muito maior na Ásia para causar os danos no Brasil do que antes desse pacote fiscal. O muro contra a invasão da crise asiática foi significativamente aumentado.
Folha - O que é necessário para tornar a economia brasileira mais resistente a choques externos?
Scheinkman - O pacote tem duas partes. A parte fiscal imediata e a aceleração e aprofundamento das reformas. Eu acho que a aceleração das reformas é a próxima etapa. Isso vai deixar a economia mais resistente a choques externos. Uma reforma que aumente a poupança privada e do Estado é importante para o país.

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