São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Alemães temem conta do trabalho escravo

IMRE KARACS
DO "THE INDEPENDENT", EM BONN

Fantasmas do passado não muito distante retornaram nos últimos dias para assombrar as corporações alemãs, incutindo medo nos corações dos homens que controlam as grandes empresas -se é que possuem corações.
Os escravos que ajudaram a transformar pequenas companhias alemãs em empresas gigantes de alcance global estão de volta e reivindicam pagamento. E, agora, não há como tirá-los de cena.
No dia 5 de novembro, um tribunal regional em Bonn tomou uma decisão histórica. Concedeu a Rywka Merin, uma senhora judia idosa, US$ 8,8 mil, acrescidos de juros, pelo trabalho que ela fez numa fábrica de munição no campo de extermínio de Auschwitz.
Como o fato se deu na Alemanha, ainda há um longo caminho judicial pela frente. Mas, quando a poeira assentar sobre os apelos e os recursos contra os apelos, é quase certo que o Estado se veja obrigado a arcar com uma conta de mais de US$ 1 bilhão, que terá de repassar às empresas que mais lucraram com o slogan nazista "Arbeit macht frei"(o trabalho liberta).
Estimadas 12 milhões de pessoas trabalharam como escravas em praticamente todas as empresas alemãs durante o Terceiro Reich.
Muitas delas desempenharam tarefas comuns em padarias e fábricas de sapatos; outras produziram carros para a Mercedes-Benz e armas para a Krupp.
Elas foram trazidas -ou arrastadas- de todos os cantos do império. Quer fossem polonesas, judias ou russas, todas eram tachadas de "subumanas" e tratadas de acordo.
Arrebanhadas em alojamentos sem aquecimento e forçadas a trabalhar em turnos de 12 horas, recebendo a alimentação mais parca possível, muitas morreram de doenças, fome ou maus tratos. A maioria dos sobreviventes não recebeu nenhuma compensação.
Durante 50 anos, a indústria alemã guardou seu segredo vergonhoso trancado nos arquivos das empresas. Mas, agora que a maioria dos chefes da época nazista já morreu, o véu está começando a ser levantado.
A melhor visão do império nazista de escravos que se teve até hoje foi proporcionada por um livro lançado no ano passado pelo respeitado historiador Hans Mommsen. O professor Mommsen teve livre acesso aos documentos da Volkswagen, custeado pela empresa, que financiou o estudo de mais de US$ 1 milhão.
Foi uma decisão corajosa por parte da Volkswagen, pois sua história não é simpática. A empresa foi fundada, com a ajuda de Adolf Hitler, por Ferdinand Porsche, descrito no livro como um nazista "moralmente indiferente".
A maior parte de seus 16 mil empregados era formada por escravos, muitos dos quais morreram na própria fábrica de Wolfsburg. Hitler aprovou pessoalmente o protótipo do "carro do povo", o Fusca.
Depois da guerra, a Volkswagen centrou a sua atenção no Fusca. A história relatada por Mommsen é uma clássica história alemã de prosperidade, colapso e renascimento. A empresa cresceu, desde a origem, sustentada pelo sangue de escravos que jamais foram pagos.
Uma "doação" de US$ 7 milhões foi feita aos países do leste europeu que perderam pessoas na linha de montagem de Wolfsburg, mas nem um centavo foi pago diretamente aos indivíduos em questão.

Tradução de Clara Allain

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