São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Adivinhe quem não veio para o jantar

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois de reinventar a comida sem gosto, a indústria do fast-food lança mais uma inovação de paladar duvidoso -a cozinha sem cozinheiro.
Num teste em cem lanchonetes, robôs preparam os sanduíches, fritam as batatas e enchem os copos com refrigerante.
Economizando tempo e dinheiro, os robôs são acionados logo que o pedido é recebido pela vendedora na caixa-registradora.
Os clientes que aceitam ser cobaias não notam a diferença. Até porque não é exatamente uma arte preparar alimentos sem gosto e muita gordura, ingerido às pressas, deglutidos com refrigerante e arrematados com sorvete.
Essa experiência feita para rede McDonald's, caso bem-sucedida, obviamente tende a ser copiada pelos competidores, diminuindo as vagas para mão-de-obra com pouca qualificação.
Deveríamos ficar em pânico?
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O leitor habitual sabe que esta coluna tem tentado fugir da histeria pessimista tão típica das elites intelectuais brasileiras. É um pessimismo cômodo porque justifica a ladainha de que nada nunca vai dar certo.
Cômodo também porque serve de pretexto para que não integremos ações comunitárias, capazes de fazer a diferença na rua, bairro ou cidade.
Daí o esforço de mostrar o encanto da tecnologia social, as experiências comunitárias viáveis sejam em Salvador, Nova Déli, Nova York ou Istambul.
Aprendi aqui que temos alguns motivos de otimismo ao olhar o renascimento de centros urbanos como Nova York, as novas conquistas dos trabalhadores e evolução dos direitos dos cidadãos.
Mas também de pânico -e está diretamente ligado ao cozinheiro-robô.
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Em síntese: como gerar empregos, especialmente para trabalhadores de baixa renda, numa era em que se descobrem a cada dia formas de substituir os homens?
Uma das minhas principais lições vivendo em Nova York foi ver os exageros sobre tecnologia e desemprego.
Num extremo vêem na máquina encarnação divina. Noutro, a representação do diabo.
O fato objetivo: nenhum país é tão aberto à tecnologia como os EUA. Raras nações desfrutam, porém, de nível de emprego tão alto.
Mas também é um fato objetivo que o país, apesar de seu notável crescimento e os bilhões de recursos contra pobreza, produz bolsões de desemprego, encravados nos grandes centros.
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Desses bolsões saem as estatísticas de violência e criminalidade. É, aí, o desastre do pacote de Fernando Henrique Cardoso -um pouco consequência de sua obsessão com a reeleição, aliada à lerdeza do Congresso e à incapacidade da sociedade em fazer pressão.
Fernando Henrique Cardoso merece reconhecimento por vários motivos, em particular pela ênfase na educação básica; por ter segurado até agora a inflação, mexeu na mentalidade pervertida de que especulação é mais importante do que produção.
Estamos pagando, entretanto, o preço por o presidente misturar o destino do país com seus projetos políticos pessoais, inibindo ajustes que, agora, chegam tarde.
Tivesse esquecido a reeleição e se esforçado mais em articular o Congresso, mostraria como age um estadista; certamente faria o sucessor e, neste momento, viveríamos menos tensões econômicas.
Os EUA ensinam que globalização e rápida inovação tecnológica criam regiões de prosperidade em meio a gigantescas e quase ingovernáveis zonas abandonadas.
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Temos a favor do Brasil o aumento da eficiência dos prefeitos. Governadores promovem ótimos projetos como bolsa-escola, do DF, ou aumento das horas de aulas, como em São Paulo. Empresários ganham consciência social, patrocinando projetos contra exclusão.
O problema é que não temos nem a polícia nem as verbas sociais para segurar o nível de vida nos grandes centros. Mesmo com crescimento alto é difícil lidar com esses conflitos; imagine beirando o desaquecimento.
*
Há um magistral estudo lançado este ano, produzido por um dos mais influentes intelectuais americanos, William Julius Wilson. O título é "Quando o emprego desaparece".
O livro é uma rica documentação sobre como o desemprego, mais do que a pobreza, gera a marginalidade, desestrutura as famílias, estimula as drogas e a violência, num ciclo vicioso de inviabilidades.
Explica, por exemplo, porque os negros são 12% da população, mas responsáveis por metade dos homicídios e dois terços das prisões por assalto.
Compare-se o nível de emprego entre jovens negros e brancos, e essa estatística ganha lógica. Assim como ganha lógica o temor de quem mora nas grandes cidades brasileiras.
A forma de se lidar com esse desafio é o que vai determinar quem fica -e por quanto tempo- no poder.
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PS - Uma pequena dica para enfrentar o desemprego, largamente usada aqui. O candidato usa programas de computador, chamados de "agentes inteligentes", que procuram as vagas em qualquer cidade. Para o leitor fazer um teste, coloquei alguns desses "agentes" no seguinte endereço: www.aprendiz.com/.
Aliás, se você tiver formação em alta tecnologia e falar inglês corre o risco de sair empregado apenas com esse clicar, tamanha a procura nessa área.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com

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