São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 1997
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Por que justo o Planet Hemp?

DA REPORTAGEM LOCAL

"Chegando lá, a maior vergonha, só tinha maconha..." "É, é, é, eu acho que o bagulho é de quem tá de pé..." "Vou apertar, mas não vou acender agora/ se segura, malandro, pra fazer a cabeça tem hora." Referências à maconha em letras de música não são novidade.
A discussão sobre a descriminação da droga também já rola há algum tempo no Congresso (leia quadro acima) e na mídia.
No entanto, o Planet Hemp é preso por quatro dias em Brasília sob a acusação de fazer apologia da droga em seus shows. Como entender isso?
Acontece que existe um artigo na Lei de Entorpecentes (leia no quadro acima) que prevê a mesma pena para traficantes e para quem induzir outra pessoa a usar drogas.
A partir disso, qualquer cidadão pode entrar, por meio de um advogado, com uma ação contra quem ele achar que está infringindo a lei. Se um juiz concordar, a polícia pode prender a pessoa acusada, que seria levada a julgamento. No caso de crime inafiançável, ela permanece presa.
O x da questão está em saber se o que o queixoso achou é legítimo ou não. E é nessa interpretação que está centrada a discussão do caso Planet Hemp.
Para o delegado Eric Castro, que comandou a prisão dos integrantes da banda em Brasília, a música do grupo tem a capacidade de influir nas decisões do ouvinte. Ele disse também que seu empenho na ação veio "da pressão de pais preocupados com as músicas que seus filhos podem ouvir".
"A disposição de cada pessoa para ser influenciada não pode ser medida", rebate Antonio Nédula, psicólogo que participa do programa de campanhas contra drogas do governo federal.
Ele cita os casos de grupos de heavy metal processados nos EUA por causa de letras satânicas. "Há registros de vários garotos que se suicidaram enquanto ouviam Judas Priest e Ozzy Osbourne, mas ninguém pode dizer que as músicas foram responsáveis. Esses garotos tinham vidas problemáticas, num cenário em que tentativas de suicídio não estavam descartadas", explica.
Para Nédula, o jovem pode querer fumar maconha porque a droga está no ambiente dele. "A droga vem dos amigos, às vezes, até da família. Ninguém é 100% influenciável, a ponto de apenas uma música mudar sua vida. Nesse caso, pessoas pacíficas poderiam sair de um filme do Schwarzenegger dando tiros nos outros. Acreditar nesse poder influenciador de músicas ou filmes é menosprezar o poder de discernimento das pessoas."
O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), autor do projeto de revisão da política das drogas, que aguarda aprovação no Senado, acha que as letras do Planet Hemp não fazem apologia da maconha. "O que a banda faz é uma descrição dos efeitos de uma substância, descrição que poderia ser feita por qualquer cientista." Gabeira acompanhou a prisão do Planet Hemp com visitas ao grupo e considera o episódio "desastroso". Para ele, a ação da polícia de Brasília pode atribuir à maconha um fascínio que a droga não tem.
O presidente do Conselho Federal de Entorpecentes, Luiz Matias Flach, classifica a prisão da banda de "um retrocesso neste momento histórico. Há o direito de livre manifestação do pensamento no Brasil". Ele receia que a prisão possa ser encarada pela juventude como uma atitude intolerante.
A manifestação dos artistas que aceitaram participar de atos de apoio ao Planet Hemp reacende uma posição de luta contra a censura, mas juristas e advogados ouvidos pela Folha ressaltam que a prisão da banda não se caracteriza, judicialmente, como censura.
Os mecanismos de censura foram extintos no Brasil há 15 anos. Nenhum produto cultural precisa ser submetido à apreciação prévia de qualquer órgão.
Legislação
A lei brasileira atual não é muito diferente da que existe nos EUA, campeões em campanhas a favor da liberação do uso de maconha.
O consumo, o porte e a venda da droga ainda é ilegal. As penas é que variam de um Estado para outro. Em Nova York, por exemplo, um usuário preso com até 25 gramas tem de pagar fiança de US$ 100.
Em Paris, qualquer pessoa portando maconha está sujeita a um ano de prisão. Traficantes podem ser condenados a cinco anos.
Na Holanda, o consumo é liberado em casa e em bares licenciados pelo Ministério da Saúde. Na Espanha, o consumo pessoal da droga é tolerado, mas a pessoa precisa declarar-se dependente e ter acompanhamento médico.

Colaboraram a Sucursal de Brasília, Cláudia Pires, de Nova York, e Mariane Comparato, de Paris

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