São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
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Denúncia contra polícia fica sem apuração

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em seus dois anos de atuação, que completa amanhã, a Ouvidoria da Polícia foi procurada por cerca de 11 mil pessoas. Um quinto delas denunciou a ocorrência de espancamento ou tortura nas delegacias ou nas abordagens da PM (Polícia Militar) de São Paulo.
Segundo o ouvidor, Benedito Domingos Mariano, 38, em média a Polícia Civil apura só 20% das denúncias de violências cometidas por seus agentes. A PM, por sua vez, evita punir oficiais.
Mesmo assim, "a principal referência da ouvidoria é que ela se tornou um órgão inibitório de ações irregulares", diz. Leia os principais trechos de sua entrevista à Folha:
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Folha - As resistências da polícia a sua atuação são maiores ou menores que há dois anos?
Benedito Mariano - Da Polícia Civil, certamente muito menor. Na gestão do atual delegado-geral, por exemplo, conseguimos institucionalizar a existência de uma cadeira de direitos humanos na Academia da Polícia Civil.
Folha - E na gestão do delegado-geral anterior?
Mariano - Eu diria que a postura de mudanças a problemas estruturais era muito menor.
Folha - Dê um exemplo.
Mariano - Eu havia encaminhado ao ex-delegado-geral uma proposta para que a silhueta usada nos exercícios de tiro criasse o conceito de "tiro preventivo", ou seja, privilegiando os ombros, as pernas e os braços, em lugar da cabeça e do coração. Só agora essa inovação foi adotada.
Folha - A receptividade do delegado-geral é seguida pelos demais funcionários da Polícia Civil?
Mariano - A Polícia Civil tem ainda dificuldade de apurar as denúncias. Dos casos graves, envolvendo a integridade física, a apuração correta não ultrapassa 20%.
Folha - As vítimas se expõem a represálias da própria polícia?
Mariano - Esta é uma segunda questão: não há lei que assegure proteção à testemunha, à vítima. Estamos ainda engatinhando.
Folha - Falamos até agora da Polícia Civil. E na PM?
Mariano - Entre os 700 policiais punidos em razão de denúncias apuradas pela ouvidoria, algo como 75% foram policiais militares. A resposta da Corregedoria da Polícia Militar é sempre mais ágil.
Folha - Sem dificuldades?
Mariano - A PM, por sua estrutura, tem dificuldades ao punir oficiais. Os casos que envolvem soldados, cabos e sargentos são mais facilmente apurados.
Folha - Se, a rigor, as corregedorias não apuram condignamente, qual seria a solução?
Mariano - O ideal seria permitir que, tanto na PM quanto na Civil, a corregedoria fosse uma carreira à parte. É o único jeito de quebrar o espírito corporativista dentro das duas carreiras policiais.
Folha - A polícia se tornou nesses dois anos menos corrupta, menos violenta?
Mariano - Nesse período, a principal referência da ouvidoria é que ela se tornou um órgão inibitório de ações irregulares da polícia; os agentes têm hoje receio de ter um caso monitorado por nós.
Folha - Que tipo de pessoa procura a ouvidoria?
Mariano - Quase todos os que nos procuram ganham menos do que um salário mínimo. São quase todos moradores da periferia, 60% são mulheres e 90% têm trabalho fixo. Este último dado desmente a idéia de que a violência policial toma por vítima só os "marginais".
Folha - O sr. chegou a receber alguma ameaça pessoal?
Mariano - Recebi algumas provocações. Numa delas, um oficial da PM disse que seria bom que eu "andasse com colete de chumbo", se quisesse viver por muito tempo.

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