São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
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Atuação política deve definir avaliação de FHC

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Acho um tanto injusta a queda nos índices de popularidade de FHC. Penso em quem apoiava o Real, a política econômica de Malan e Kandir, a globalização etc., há questão de duas semanas; agora, com o pacote, rói a corda. É uma espécie de traição.
Nunca faltaram críticas a FHC e ao Real. Tendiam a ser ignoradas. Tudo ia bem. Economistas de respeito advertiam quanto à supervalorização da moeda. Ninguém ligava; e com certa razão, imagino. Pois não se pode saber se uma desvalorização do câmbio em maio ou junho seria benéfica ou catastrófica para o país. Agora, sempre há pessoas que podem dizer: "não viram? Eu tinha razão!". Mas eu me pergunto sobre o valor desse triunfo. Ninguém poderia prever o colapso de Hong Kong. E, se alguém tivesse previsto, poderia ter errado.
O problema dessa aposta era o quanto poderíamos aguentar com o câmbio fixo, com nosso Congresso, com nossa estrutura tributária, com nosso ritmo de privatizações. Com nossa miséria, com nossa educação, com nossa saúde.
A bolha de expectativas parece estar estourando. Ponha-se na pele de um investidor internacional. O Brasil promete lucros gigantescos. Em parte, isso é verdade. Mas a Hungria, a República Tcheca, a Alemanha Oriental também pedem ajuda. Em que país você investiria? O mercado aqui é maior. As condições de produção são piores. Há lucro fácil aqui. Mas o investimento é penoso.
O pacote pode ter segurado muita coisa, mas não deixa de ser um pacote. Só por esse fato desestimula qualquer investimento. Informa os desinformados de um fato básico: o de que, no Brasil, nada é estável, tudo é de alto risco. Se a população brasileira continuasse confiando em FHC depois do pacote, tudo bem: o ambiente continuaria favorável ao capital. Mas não é disso que se trata. Escaldados por meia dúzia de fracassos, a mera menção à palavra "pacote" é alarmante para nós.
Desconfiança gera desconfiança. A aposta no Real só funcionou enquanto esse círculo vicioso e notório foi interrompido. O que acontecerá quando as taxas de juros começarem a baixar? Fuga de capitais, dizem os entendidos. Mas o que acontecerá se as taxas de juros não baixarem? Recessão monstruosa e -claro- instabilidade política, imprevisibilidade econômica, logo, a mesma fuga de capitais.
Desconfio um pouco desses raciocínios econômicos. Como o sistema todo se orienta numa lógica de vasos comunicantes, de causas e consequências, de circuitos onde todos os dados (menos um) são mantidos estáveis, cada raciocínio científico esbarra com imprevistos. Descobre-se amanhã uma jazida de ouro na Amazônia: tudo muda. Saddam Hussein sofre um ataque de apendicite: tudo mudará, sem dúvida.
Mas chega de rodeios, e vou ao propósito mais amplo deste artigo. Resume-se na seguinte pergunta: Será que o padrão de avaliação de um governante está no desempenho da economia?
Acostumamo-nos a essa superstição. O desemprego caiu, o presidente é bom. A moeda está estável, o presidente é melhor ainda. Não acho que seja assim.
Não estou defendendo FHC. Ao contrário. Dizer que ele estava errado ao manter o câmbio, ao privatizar a empresa Y, é bobagem. Dizer que sua aposta no Real foi temerária é hipocrisia. Todos nós -quase todos- apostamos no que ele apostou. Nosso economicismo foi bem representado pelo economicismo dele.
O problema é que passamos a avaliar a política pelos índices econômicos. Não é o caso. A popularidade de um bom presidente não deveria crescer ou diminuir segundo as ações da bolsa. Parece que eu estou defendendo FHC. Não; FHC revela-se agora, para mim, um péssimo, um infame presidente.
Refestelou-se no acaso da economia globalizada. Confiou na superstição de que o cargo presidencial é uma mera função da economia, um subproduto da aposta na estabilidade monetária.
Começo a perceber que a política tem uma esfera independente; lida com valores que não são os estritamente monetários. Interfere, por exemplo, na prisão absurda do Planet Hemp; na punição aos PMs de Diadema; no massacre de Carajás; na educação básica; no número de crianças que pedem esmolas nos cruzamentos de trânsito; nas mensalidades escolares; na hemodiálise pernambucana; na caça aos que afundaram o orçamento do Estado e da Prefeitura de São Paulo, a saber, Quércia e Maluf; nos rombos do poder público no Nordeste, a saber, Suruagy e companhia.
Este último parágrafo é um pouco demagógico. Mas aponta para uma questão bem séria, como aliás toda demagogia costuma fazer. Onde estava FHC enquanto tudo isso ocorria? Onde ficou a política, o balanço de poder, enquanto FHC mantinha estável a moeda? Se nossa normalidade globalizante era o álibi frágil para que se minimizassem algumas questões fundamentais -a violência, a justiça, a saúde, a educação, a oligarquia regional-, que diabo ficamos fazendo esse tempo todo?
Estamos culpados de economicismo. De monetarismo. FHC não deve ser julgado pelas oscilações da bolsa de Hong Kong. Devemos julgá-lo (percebo só agora) não pela economia, mas pela política. Ele se alia a Maluf. É pior do que qualquer pacote.

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