São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
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Estabelecendo as bases da história

BILL GATES

Quando Colombo, Cortés, Pizarro e outros colonizadores europeus chegaram ao Novo Mundo, cinco séculos atrás, por que não foram repelidos por milhares de guerreiros indígenas a cavalo, brandindo armas de fogo e transmitindo doenças epidêmicas?
Por que guerreiros bantos montados em rinocerontes não avançaram para o norte para dizimar os guerreiros romanos a cavalo, criando um império abrangendo a África e a Europa?
Essas e muitas outras perguntas são respondidas de maneira convincente no fascinante livro de Jared Diamond, recém-lançado, "Guns, Germs, and Steel" (Armas de Fogo, Micróbios e Aço) -W.W. Norton, 1997.
Culpa do azar
É a primeira explicação da história que vejo que penetra no âmago da questão do porquê os europeus e asiáticos acabaram controlando a maior parte do mundo, em lugar de africanos, indígenas americanos ou outros povos.
A tese fundamental de Diamond é que não existem grupos raciais ou étnicos dotados de superioridade inata em relação a outros, e que o fato de outras raças terem falhado, muitas vezes com consequências trágicas, em sua resistência à expansão de outros povos se deveu, em grande medida, ao azar.
Diamond reúne montanhas de evidências para sugerir que europeus e asiáticos conquistaram o domínio porque dispunham de abundantes plantas e animais próprios para serem domesticados e porque a orientação leste-oeste da massa terrestre eurasiana facilitou a transferência de animais, plantações e tecnologia.
A Eurásia possuía 32 das gramíneas silvestres mais úteis, candidatas a serem cultivadas, enquanto nenhuma outra região tinha mais do que seis. Nela viviam 13 dos animais mais importantes para a humanidade.
O Crescente Fértil, uma região do sudoeste asiático que cobre partes dos atuais Iraque, Jordânia, Síria e Turquia, possuía seis das chamadas "espécies agrícolas fundamentais" e quatro dos cinco mamíferos domesticados mais importantes: vacas, cabras, porcos e ovelhas.
Alimentos
Não chega a surpreender que o Crescente Fértil tenha produzido quantidades prodigiosas de alimentos e que os primeiros exemplos conhecidos de muitos tipos de desenvolvimento humano tenham tido seu início nessa região, por volta do ano 11000 A.C.
Os povos que viviam fora da Eurásia -e, mais especialmente, fora do Crescente Fértil- sofriam uma desvantagem importante, porque não tinham muito com que trabalhar.
Poucas das 200 mil espécies vegetais silvestres do mundo possuem valor alimentício para os humanos.
Mais de 80% do volume agrícola produzido no mundo moderno é originário de apenas 12 espécies: banana, cevada, milho, mandioca, batata, arroz, sorgo, soja, beterraba, cana-de-açúcar, batata-doce e trigo.
"O fato de não termos domesticado nem uma única planta de valor alimentício importante nos tempos modernos leva a crer que os povos da antiguidade talvez realmente tenham explorado virtualmente todas as plantas silvestres úteis e domesticado todas as que valiam a pena serem domesticadas", escreve Diamond.
Animais
Os animais domesticados forneciam carne, leite e fertilizante. Eles puxavam arados. Ajudavam os povos a vencer guerras. Enquanto o Crescente Fértil tinha muitos mamíferos importantes para domesticar, a Califórnia não tinha nenhum.
Na verdade, a América do Norte não tinha nenhum mamífero de grande porte próprio para ser domesticado, exceto a lhama. E ela não era encontrada por toda parte.
As evidências indicam que, quando os caçadores humanos chegaram às Américas, via estreito de Bering, cerca de 13 mil anos atrás, eles mataram a maior parte dos mamíferos incautos que teriam sido bons candidatos à domesticação.
"Há cerca de 15 mil anos, o Oeste americano apresentava aparência semelhante à da planície africana do Serengeti hoje, com rebanhos de elefantes e cavalos sendo perseguidos por leões e guepardos. A eles se juntavam exemplares de espécies exóticas tais como camelos e preguiças gigantes", escreve Diamond. Essas espécies não demoraram a ser extintas.
Ciências e arte
Na Europa e na Ásia, o excedente de alimentos permitiu que algumas pessoas se especializassem em ciências ou arte e que outras se transformassem em guerreiros.
As civilizações cresceram no Crescente Fértil e se expandiram para o leste e o oeste.
Uma razão pela qual nenhuma cavalaria indígena obrigou Colombo e outros colonizadores europeus a retroceder para o Atlântico é que não havia cavaleiros indígenas.
Os americanos só voltaram a ter cavalos quando os europeus os trouxeram, e os indígenas só tiveram acesso a eles quando eles escaparam dos conquistadores espanhóis.
Não houve guerreiros africanos montados em rinocerontes invadindo a Europa porque os rinocerontes não podem ser domesticados. Tampouco os elefantes, hipopótamos, zebras ou qualquer outro dos animais africanos que, não fosse isso, poderiam ter sido ótimos aliados em guerras.
Às vezes, é possível amansar esses animais até torná-los submissos, mas não é possível controlar sua reprodução -logo, suas características genéticas- como é feito com os cavalos.
Vantagem competitiva
Diamond ilustra a enorme vantagem competitiva desfrutada pelas sociedades que dispunham de cavalos e armas de fogo, relatando como o conquistador espanhol Francisco Pizarro usou 62 cavaleiros e 106 soldados de infantaria para derrotar milhares de guerreiros incas, no dia 16 de novembro de 1532.
Em questão de horas, o pequeno bando liderado por Pizarro capturou o imperador inca Atahualpa, líder do Estado mais adiantado das Américas, semeando o pânico entre os 80 mil guardas do imperador.
As doenças desempenharam um papel ainda mais importante do que cavalos e armas de fogo na subjugação das Américas e do resto do mundo pelos europeus.
Diamond estima que doenças trazidas pelos europeus tenham exterminado 95% da população pré-colombiana das Américas. As epidemias se espalhavam de uma tribo para outra, muitas vezes bem antes da chegada dos próprios europeus.
Por que a coisa não se deu em sentido contrário? Ou seja, por que doenças epidêmicas indígenas não exterminaram os europeus? As doenças epidêmicas tiveram suas origens nos animais domesticados. O sarampo, a varíola e a tuberculose passaram do gado para os humanos. A gripe veio dos porcos e patos, enquanto a tosse comprida veio de porcos e cães.
Os índios não tinham doenças epidêmicas nem imunidade a elas porque não tinham os animais domesticados que deram origem a essas doenças.
Além de contarem com grãos de alta qualidade, animais e doenças, os eurasianos tinham a vantagem de uma enorme massa terrestre orientada em sentido leste-oeste, em lugar de norte-sul, como na África e na América.
As pessoas podiam levar suas plantações e seus rebanhos para muito longe em direção leste ou oeste, porque o clima normalmente não mudava muito ao longo de uma latitude dada. Mais tarde, as rotas comerciais seguiram da Ásia para a Europa.
Migração difícil
A migração norte-sul costumava ser muitíssimo mais difícil. As mudanças climáticas repentinas inutilizavam uma planta cultivável, tornando o clima e o tipo de pastagem inadequados para os rebanhos. As civilizações africanas e americanas eram isoladas por montanhas, desertos e florestas tropicais e muitas vezes eram impossibilitadas de beneficiar-se dos avanços feitos por outras culturas que podiam estar distantes delas apenas uns 1.500 km ao norte ou ao sul.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644.

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