São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Se a escolha tivesse sido a desvalorização

MAILSON DA NÓBREGA

Os mais ferrenhos críticos da política cambial sabiam que uma forte desvalorização neste momento seria desastrosa. Por isso, mesmo criticando o que denominam erros passados, reconheceram que não era a hora de "corrigir" o câmbio.
Alan Greenspan, presidente do banco central americano, e Domingo Cavallo, ex-ministro da Economia da Argentina, também disseram que a desvalorização não era a saída para a crise financeira. Cavallo, indo mais longe, defendeu a atual política cambial.
Os poucos incendiários que queriam a desvalorização acabaram tendo companhia. O economista Jeffrey Sachs, suposto autor do plano que pôs fim à hiperinflação boliviana, achou que a mudança era oportuna.
A solução irresponsável foi rejeitada, optando-se pela defesa da política cambial com juros e medidas fiscais. Seu abandono acarretaria, no mínimo, inflação com recessão. Esta última viria da permanência de juros altos e da queda dos salários reais.
É provável que as exportações, beneficiadas pela desvalorização, pudessem por algum tempo compensar os seus efeitos recessivos. Depois, elas voltariam a perder fôlego com o retorno do processo inflacionário.
A inflação elevada recolocaria em marcha as engrenagens da indexação e os altos custos de transação. O câmbio tornaria a variar em linha com a inflação, reforçando o processo de indexação.
Com o tempo, nem mesmo os juros altos evitariam a fuga de capitais e a interrupção prolongada do acesso do país aos mercados internacionais de capitais. O protecionismo teria tudo para ressurgir.
Inflação, recessão e protecionismo constituem a trilogia mais trágica dos anos 80. De volta, ela interromperia o processo de reestruturação e modernização em curso.
Não faço oposição cega à desvalorização. Primeiro, porque ela está ocorrendo, ainda que lentamente. Segundo, porque, em situação normal, ela é mera consequência dos diferenciais de inflação e produtividade entre nós e nossos parceiros comerciais.
Sucede que não estamos em situação normal. O Plano Real está longe de constituir uma obra concluída. Falta muito para consolidar a estabilidade.
Na transição em curso, a política cambial é parte essencial do esforço de estabilização e de indução à transformação. As reformas, que aumentarão a eficiência produtiva da economia, devem neutralizar no tempo a valorização cambial.
A trajetória tem riscos, principalmente se fracassarem as reformas ou se os acontecimentos na Ásia redundarem em interrupção do fluxo de financiamento externo.
Uma desvalorização forte e brusca, antes do ajuste fiscal duradouro e da eliminação da memória inflacionária, seria, entretanto, empreitada de altíssimo risco, sobretudo se efetuada em momento de crise.
Os críticos recorrem às recentes desvalorizações na Europa para mostrar que não existe relação entre mudança cambial e inflação. A comparação me parece inadequada.
Nenhum desses países acaba de sair de um processo inflacionário nem de uma arraigada cultura de indexação. As dívidas de suas empresas e indivíduos estão normalmente em moeda local e não se alterariam com a desvalorização.
A comparação apropriada é com o México. Segundo estudo de Edward Amadeo, a desvalorização de 1994, que se pensava limitar a 10% ou 20%, atingiu 50%. Em 1995, a inflação pulou de 7% para 35%, a produção caiu 8% e o salário real encolheu 19%.
Como jamais tiveram indexação à brasileira, os mexicanos conseguiram, dois anos depois, voltar à tendência declinante do ritmo inflacionário.
No Brasil, tal qual ocorreu também com a Tailândia neste ano, a desvalorização seria descontrolada. Não ocorreria mais como no passado, quando a taxa cambial era determinada por um comunicado do Banco Central.
Hoje, a taxa se forma no mercado. O BC a coloca no nível desejado mediante intervenções dentro de uma determinada banda de variação. Compra divisas quando as cotações atingem o piso e vende quando chegam ao teto da banda.
A desvalorização ocorreria quando o BC abandonasse a defesa do limite superior da banda. Neste momento, funcionando livremente num mar de incertezas e desconfianças, o mercado poria as cotações na lua.
Além dos riscos descritos, o forte ajuste das dívidas em moeda estrangeira poderia acarretar uma torrente de inadimplências, desaguando em uma crise bancária. Seria um verdadeiro vendaval, de consequências imprevisíveis.

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