São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Livro desvenda a identidade de Sábat

PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Hermenegildo Sábat vem representando em suas caricaturas personalidades de Uruguai, Argentina e Brasil há cinco décadas. Um panorama de sua carreira e lados artísticos poucos conhecidos, como o de pintor e fotógrafo, estão no livro "Quem É Sábat?", que é lançado hoje no Ática Shopping (r. Pedroso de Morais, 858, tel. 0800 55-9909).
O livro parte do ponto de que as pessoas não conhecem a extensão da obra de Sábat. E brinca com o leitor já na introdução, mostrando que muitos não sabem escrever o primeiro nome do artista, colando várias tentativas erradas de grafá-lo retiradas de cartas ou documentos, como "Hermengildo", "Hermenejildo" e "Heriberto".
Para ampliar a compreensão de sua obra e identidade, estão coletados no livro obras de vários momentos de suas carreiras, seja a de caricaturista, fotógrafo ou pintor.
*
Folha - Como o sr. começou a desenhar?
Sábat - Eu tenho o nome do meu avô, que não conheci porque ele morreu antes do meu nascimento. Ele era jornalista, cartunista, pintor e professor. Todas essas coisas me impressionaram e eu, de algum modo, segui seus passos.
Folha - Qual é o segredo para fazer uma boa caricatura?
Sábat - Você tem de ser um bom jornalista. E desenvolver senso de humor. Ao mesmo tempo, você tem de ter alto astral, porque, nessa profissão, o importante é que o leitor participe. Você não tem de ter a esperança de que vai mudar o mundo fazendo caricaturas, mas tem de ter bons fluídos e fazer as pessoas sorrirem.
Folha - O que o sr. quer dizer com "bons fluídos"?
Sábat - Não tem de ser uma coisa destrutiva. Claro, se você está convivendo com tiranos, a história é diferente. Mas, se você está em uma democracia, não precisa ser assim. A democracia é mais importante do que a nossa profissão.
Folha - O sr. já teve problemas devido a uma caricatura?
Sábat - Não. Mas na época da ditadura foi muito difícil evitar reações de quem não tinha sensibilidade artística para certas coisas. Sim, houve alguma coisa. Mas não gosto de contar isso. Ainda estou vivo. Foram fatos que me afetaram, mas não mudaram a minha vida.
Folha - O sr. não usa palavras em seus desenhos.
Sábat - Isso é importante. Sem as palavras, você tem a possibilidade de usar outros elementos da imaginação. Se eu usasse palavras, eu realmente teria tido problemas com a ditadura. As pessoas brigam por palavras, e não por idéias. Isso é muito grave.
Folha - Que técnicas o sr. usa?
Sábat - Eu uso várias técnicas. Esse trabalho não pode ser burocrático. É como o amor. Se você transforma o amor em uma rotina, você fica aborrecido. Para trabalhar na coisa que você sonhou fazer, você tem de regar a planta para que ela continue viva.
Folha - Quando surgiu o pintor Sábat?
Sábat - Eu cometi um grave erro: fui autodidata. O autodidata demora mais. Existe o perigo de confundir um avanço meramente artesanal com uma revelação interior. Não tive aulas de pintura.
Eu acho que as aulas facilitam o trabalho em três pontos. O primeiro é o reconhecimento material, saber identificar aquarela, óleo, nanquim, lápis...
O segundo ponto é acompanhar tudo. O que fazer quando se está diante de um papel em branco, ou uma tela, ou um muro... Sempre você terá algum problema.
A terceira parte, que eu gosto mais, é estar diante das minhas telas e tentar interpretar o que eu pensava quando eu criei. Acho que muitas pessoas que tentam interpretar o que fizeram muitas vezes estão mentindo. É complicado pôr palavras àquilo que você fez.
Folha - Como o sr. acompanha o que se passa no Brasil?
Sábat - É muito difícil viver um país de longe. Há uma quantidade de coisas que são internas e que, se você não está por perto, não consegue compreender. Se já é difícil de interpretar o que você tem diante dos seus olhos, é difícil saber o que acontece em um lugar.
Folha - "Quem É Sábat?" é dedicado ao Henfil.
Sábat - Ele é um personagem formidável. Havia superado tudo, até uma operação na vesícula -e ele era hemofílico, não podia ser operado. Mas ele superou tudo, menos a AIDS. Para mim, era uma obrigação: se eu publicasse um livro no Brasil, queria dedicá-lo ao Henfil.

Livro: Quem É Sábat?
Autor: Hermenegildo Sábat
Lançamento: Paz e Terra
Quanto: R$ 60 (174 páginas)

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