São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997
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Âncora tecnológica

ROBERTO NICOLSKY

Um recente editorial da Folha (11/10) abordou a relevante e oportuna questão da relação entre pesquisa e economia e, em particular, entre aquela e o desempenho da nossa pauta de exportações, na qual poderia cumprir o papel de âncora.
De fato, a nossa pauta de exportação vem perdendo competitividade nos produtos de mais elevado conteúdo tecnológico. O relatório da OMC (Organização Mundial do Comércio) referente ao período de 1990 a 1996 mostra que estamos muito aquém das economias competitivas em termos de exportações. Enquanto as nossas cresceram 5% ao ano, em média, no período, as da Coréia cresceram 12% anuais e as dos países asiáticos emergentes e da China cresceram cerca de 16% por ano.
Isso porque os produtos de maior dinamismo no comércio exterior são os de maior conteúdo tecnológico, como informática, comunicações e eletroeletrônicos. Na nossa pauta ainda pesam muito as matérias-primas e os produtos agrícolas.
Assim, a nossa economia, entre as dez maiores do mundo, em exportações era a 15ª; caiu para a 19ª posição em 1996. E as nossas importações cresceram 17% ao ano, em média, no período. Daí o déficit comercial crescente.
A simples desvalorização do câmbio seria uma providência imediatista, mas teria o ônus de ocultar e postergar o verdadeiro problema: o baixo conteúdo tecnológico dos produtos exportáveis.
O caminho definitivo é elevar a competitividade da nossa economia, aumentando seu conteúdo tecnológico por meio de investimentos em pesquisas aplicadas em duas vertentes: o contínuo aperfeiçoamento do que já produzimos e, principalmente, a geração induzida de novas plataformas de exportação em áreas de tecnologia de ponta, como uma parceria entre o setor produtivo, a academia e as agências de fomento, mecanismo que ainda não está institucionalizado em nosso país.
O simples apoio e estímulo à ciência não é solução. Pode-se ter até uma ciência de Primeiro Mundo e não ter tecnologia para competir no mundo globalizado: vide a Rússia e a Índia. A ciência pura é uma condição necessária, porém não suficiente.
É essencial que assumamos a pesquisa tecnológica como prioridade, centrando nela o nosso esforço de fomento. O desenvolvimento científico acompanhará o crescimento da pesquisa, mesmo a aplicada. Esta gera a demanda de pesquisa fundamental, tanto pela formação dos recursos humanos necessários quanto pelas respostas às indagações básicas que sempre surgem no próprio processo de desenvolvimento tecnológico.
Isso já ocorreu no Japão anos atrás e está acontecendo hoje na Coréia, que, partindo de um cenário de insuficiente pesquisa básica no início da década passada (0,6% do PIB em 1981), optou por priorizar o desenvolvimento tecnológico autônomo.
Para realizá-lo, chegou a ter mais de 50 mil estudantes no exterior formando-se como pesquisadores. Hoje, além de produzir muito mais patentes, também produz mais ciência básica do que nós, medida por artigos publicados em revistas internacionais de conceito, além de ter uma taxa de crescimento científico substancialmente maior do que a nossa.
A dotação orçamentária da Coréia é de 0,3% do PIB, menos da metade do nosso gasto público em pesquisa neste ano (0,7%, segundo o MCT). Mas o setor produtivo coreano investe 1,6% do PIB em pesquisa tecnológica, contra os nossos 0,3%. Isso tem reflexos óbvios na pauta de exportações e na sua economia, que vem crescendo 8% ao ano no período. Hoje, sua renda per capita é cerca de duas vezes e meia maior do que a nossa.
Os países ainda não-desenvolvidos tecnologicamente que gastam prioritariamente em ciência básica -como nós, Índia e Rússia-, quando fazem boa ciência, tornam-se doadores de conhecimentos para o desenvolvimento de novas tecnologias nos países ativos nesse campo, como os do Primeiro Mundo e a Coréia.
E nem é exportação, pois nada recebemos em troca; ao contrário, por vezes pagamos para publicar os nossos artigos em revistas famosas.
Estamos, portanto, gastando os nossos parcos recursos para financiar a competitividade de outros. E, se gastarmos ainda mais recursos públicos com ciência básica, então também vamos perder cérebros, quase sempre os mais brilhantes, como ocorre com a Índia.
Isso é muito grave para o país, além de ser frustrante para os que são levados a deixá-lo. Na verdade, isso já ocorre entre nós, mas felizmente ainda em pequena escala. Há pouco tivemos a visita de um desses exemplos, dos mais brilhantes, que foi meu colega na UFRJ e hoje é colaborador constante da Folha: Marcelo Gleiser.
Portanto, há que louvar o novo programa da Fapesp de fomento às parcerias entre pequenas empresas do setor produtivo e a academia. Segundo seu diretor científico, José Fernando Perez, esse programa tem uma dotação inicial de R$ 5 milhões, ou seja, somente 2% do orçamento da instituição.
O que se pode dizer, apenas, é que é por demais modesto, não sendo ainda uma opção e não fazendo jus à dimensão e ao imenso potencial da economia de São Paulo.
Há que ter o descortino e a ousadia de priorizar, sem culpas, a pesquisa aplicada, em parceria indispensável com as empresas. Não só a pesquisa espontânea, mas principalmente a induzida para a busca de novos paradigmas técnicos. O verdadeiro lastro que pode alavancar as exportações e o desenvolvimento auto-sustentado é a âncora tecnológica.

E-mail: nicolsky@if.ufrj.br

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