São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997
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Obra diverte, mas escritor já fez melhor

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imagine se Jorge Amado tivesse decidido reescrever "A Ilha do Tesouro". No lugar de uma dimensão mais filosófica, e muitas vezes trágica, que Stevenson abre por meio de suas histórias juvenis, o escritor baiano optaria provavelmente pelo pitoresco, carregando no exótico e no tropical. É uma mera questão de estilo.
O novo livro de João Ubaldo Ribeiro, ao pôr em cena uma ilha imaginária na costa da Bahia do século 18, com autoridades corruptas, índios, inquisidores com telhado de vidro, uma feiticeira, belas negras e um quilombo, numa sátira que combina um humor juvenil com a exuberância de uma fantasia de sexualidade tropical, fica mais próximo da via pitoresca.
A opção por uma prosa satírica é óbvia e justificável, mas seria desmerecer o próprio João Ubaldo, assim como o leitor que não conhece sua obra precedente, sobretudo o consagrado "Viva o Povo Brasileiro", tentar equiparar seu novo livro aos anteriores.
A primeira impressão é de que se trata de um romance juvenil, feito para adultos e sem a amplitude filosófica das grandes aventuras literárias que costumam deixar marcas profundas na adolescência.
O romance conta as desventuras de um punhado de personagens às voltas com aspectos típicos da vida brasileira do século 18 (e não só), como a escravidão, a corrupção, a falsa moral, a malandragem e uma sexualidade exuberante.
Tendo recebido a ilha em sesmaria e depois da morte da mulher, o capitão Cavalo torna-se um administrador dos mais liberais, libertando os próprios escravos e se recusando a expulsar os índios da vila para a selva, enquanto seu filho busca desesperadamente conquistar os favores de uma negra estonteante.
Na tentativa de derrubar o capitão, os outros brancos vão buscar alianças com a Igreja e a Coroa, instaurando uma Inquisição na ilha num processo que só poderá ser revertido com a entrada de um recurso mágico e esotérico na narrativa: uma "esfera do tempo" capaz de mudar o destino das coisas com a possibilidade de vários futuros.
O próprio João Ubaldo não parece ter nutrido grandes pretensões com esse romance, garantindo que o escreveu com o simples intuito de divertir.
É possível que o livro cumpra esse seu objetivo junto a alguns leitores, mas dificilmente poderá satisfazer as expectativas dos que admiram o escritor pelo que ele já fez de melhor.
(BC)

Livro: O Feitiço da Ilha do Pavão
Autor: João Ubaldo Ribeiro
Lançamento: Nova Fronteira
Quanto: R$ 24 (324 págs.)

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