São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Quem não gostar que se dane"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A seguir, Caetano Veloso fala sobre "Verdade Tropical", o livro que lançou no início deste mês -até o lançamento de "Livro", ele permanecia calado sobre sua primeira aventura literária.

Folha - Como você define seu livro? É de memória, marca posições ideológicas, é de reflexão?
Caetano Veloso - Não sei a quem esse livro pode interessar. Pode ser muito complicado para quem gosta de coisas amenas e só tratar de coisas amenas para quem gosta de coisas complexas.
Quando leio, gosto das partes reflexivas. É do meu temperamento. As narrativas eu fazia como uma obrigação. Sempre enxertava uma reflexão, para eu mesmo não achar chato.
Fiquei mais de um ano mal por causa do livro. Me arrependia de ter escrito, sentia nojo, náusea, repulsa, cansaço. Agora me livrei, cada um acha o que quiser sobre ele. Gosto de ter escrito, gosto dele. Acho um livro bacana.
Folha - O título não é muito pouco sutil, sugerindo um Caetano que se diz dono da verdade?
Caetano - O título do livro nasce de um evidente trocadilho com "Vereda Tropical", o nome de um bolero. Isso dá tom tropicalista ao próprio título, como paródia.
Defendi esse título sozinho. Recebi todos os conselhos para não mantê-lo, o editor não queria, os amigos não gostaram, a Paulinha (Lavigne, sua mulher) não achava forte. O outro título que eu tinha posto era "Meu Trópico".
O dono da verdade... Mas quem tem medo da verdade? É uma petulância, mas em outro sentido. O homem tropical não está apto nem autorizado a procurar a verdade. Eu não aceito isso.
Pensarem que quero dizer que sou dono da verdade não me incomoda nada. Que besteira, e daí, e se eu fosse? Não há risco de eu ser, então isso é uma preocupação tola.
Folha - O co-autor do tropicalismo vir explicar num livro tudo o que fez não fecha portas à imaginação em torno do movimento?
Caetano - Ao contrário. Ele abre portas, porque as pessoas podem voltar a discutir se quiserem. Ninguém conta a verdade. Eu só chego e digo: vou contar a verdade.
Folha - Não é manifestação de poder? Seu fã tomará por verdade o que você disse que é verdade.
Caetano - As pessoas em maioria reagirão com desconfiança. Todo mundo vive isso, a vizinha analfabeta em Santo Amaro diz: "Ninguém é dono da verdade". Todo mundo sabe disso.
Folha - Mas todo mundo pensa que é dono da verdade e nem todo mundo é Caetano Veloso.
Caetano - Mas como todo mundo pensa que é dono da verdade? As pessoas pensam que ninguém é dono da verdade.
Folha - Elas falam que ninguém é, não necessariamente pensam.
Caetano - Então vai ver que quem fala que está dizendo a verdade tem pelo menos um mínimo de consciência de que não é. Quem não gostar se dane, eu fiz assim.

Texto Anterior: Saramago, pessimismo e xampu
Próximo Texto: Preço 'agressivo' de 'Verdade' balança mercado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.