São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997
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O Nordeste de Freyre

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Se minha mãe ressuscitasse e soubesse sobre o que ando escrevendo ultimamente, teria tal desgosto que, na certa voltaria para o túmulo, amargurada com o filho no qual, com o perdoável exagero das mães, depositara tresloucadas esperanças. Dou-lhe razão: escrever sobre Malan, Kandir, FHC, Serjão não estava nos planos de um menino que tendia a ser inocente. Minha culpa, minha máxima culpa.
Hoje, para purgar, falarei de Gilberto Freyre e de seu "Nordeste", livro que está sendo comemorado em Recife pela passagem do 60º aniversário de seu lançamento. A convite da Fundação Joaquim Nabuco fiz a palestra inaugural do seminário "Nordeste brasileiro no mundo globalizado", uma série de conferências e debates com a participação do professor Adriano Moreira, de Vamireh Chacon, Fátima Quintas, Tânia Bacelar, Regina Gadelha, Carlos Vogt e outros.
Globalização é tema sovado e inúmeras vezes já o abordei neste canto de página. Mas o Nordeste de Freyre precisa de uma reavaliação crítica. É o ensaio mais bem escrito de nossa literatura, mistura Tolstoi e Proust sem deixar de ser Gilberto Freyre.
Suas obras principais ("Casa Grande & Senzala" e "Sobrados e Mocambos"), de certa forma são estudadas e reestudadas, aqui e no exterior. O mesmo não acontece com "Nordeste", creio que a primeira obra ocidental a usar a palavra "poluição" no sentido que hoje conhecemos.
As descrições da paisagem nordestina, do homem, ou melhor, dos homens que afundaram os pés naquele massapê oleoso e plástico, criando um dos ciclos fundamentais de nossa civilização, são cenas que honrariam qualquer literatura.
Não faz muito, em Batalha (Portugal), via a exposição dedicada ao Pe. Vieira. Relendo nos painéis algumas de suas frases, fiquei comovido. O mesmo aconteceu agora em Recife, lendo Freyre a enaltecer aquele chão áspero, próprio para a cana gorda e farta, aquele chão para engenho, casa e capela.

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