São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
Texto Anterior | Índice

'Brady', de herói a vilão

CELSO PINTO

A crise cambial vivida nas últimas semanas teve uma característica peculiar. Um dos grandes gatilhos da confusão foi uma venda desordenada de papéis da dívida externa brasileira no exterior, os "bradies".
Por essa razão, um banqueiro estrangeiro convenceu-se de que a melhor alavanca de especulação contra o Brasil, se alguém quiser fazer essa aposta no futuro, desde que outras condições de instabilidade já existam, seria forçar uma queda no preço dos "bradies". Caindo o preço dos papéis, aumenta o deságio e, portanto, a rentabilidade.
O salto na rentabilidade dos "bradies" na última semana de outubro foi dramático. No calor da confusão, a remuneração chegou a subir quase oito pontos percentuais. O início do processo veio com a queda das Bolsas internacionais e a venda de papéis de países emergentes.
A queda foi amplificada, contudo, pelo fato de os "bradies" serem os instrumentos preferidos dos fundos mais agressivos, sediados no exterior, para "alavancar" posições. Com US$ 100 de "bradies", tomava-se até mais US$ 900 em financiamento, apostando na alta. Os US$ 100 eram a garantia do financiador. Com a queda no seu valor, o fundo teve que buscar dinheiro para repor a garantia.
A queda foi tão forte e tão rápida que muitas instituições tiveram que vender qualquer ativo no Brasil que pudesse ser transformado em dólar, agravando a queda dos mercados. Os que não conseguiram perderam tudo.
A queda nos "bradies" foi ampliada pela venda dos financiadores que ficaram com os papéis na mão e de fundos emergentes, para cobrir perdas em diferentes mercados internacionais.
O súbito salto na rentabilidade dos "bradies" acabou transformando-os na mais lucrativa forma de ganhar dinheiro com o risco Brasil. Sua remuneração ficou muito maior do que duas alternativas para aplicar no Brasil sem correr risco cambial: comprar títulos indexados em dólares (NTNs), ou aplicar no mercado, rendendo a taxa interbancária (DI) e se protegendo contra uma máxi comprando uma posição de dólares no mercado futuro.
E daí? O economista Márcio Garcia, da PUC do Rio, fez um trabalho analisando a relação entre os prêmios de juros pagos pelo Brasil, em relação aos juros básicos internacionais (Libor), nestas três formas de aplicação externa: um "brady" (o IDU), em NTN e aplicando no DI com proteção no mercado futuro de dólar.
Antes da confusão, o prêmio do IDU era de dois pontos percentuais acima da Libor, e o de uma aplicação em DI no Brasil, de seis pontos percentuais. A diferença se explica por várias razões, da isenção tributária do IDU ao menor risco de calote. No final de outubro, contudo, no meio da crise, a posição se inverteu. Tanto porque a rentabilidade do IDU disparou, como porque o custo de se proteger no mercado futuro de dólar aqui subiu muito, mas os juros internos, não.
A última vez em que uma inversão como essa ocorreu, lembra Garcia, foi depois da crise do México (dezembro de 94) e antes da mudança cambial de março de 95, porque o BC, nesse período, relutou em elevar os juros internos. O efeito foi uma fuga enorme de dólares. A conclusão de Garcia é que, se o BC não tivesse dado o salto interno nos juros que deu, a fuga de dólares iria se acelerar, e a crise, se agravar.
Exatamente por essa razão, o banqueiro citado no início acha que a melhor forma para quem quisesse atacar o Brasil seria "alugar" "bradies" no mercado (a 2% ao ano), vendê-los e, com isso, forçar uma queda no seu preço. O BC seria forçado a elevar os juros, o que, daqui a alguns meses, poderá não ser tão simples.
Pode não funcionar, diz outro banqueiro. Ele acha que a remuneração dos "bradies", antes da crise, estava baixa demais. Hoje, contudo, está num nível mais razoável. Se alguém forçasse uma elevação na rentabilidade, poderiam surgir compradores.
Já o vice-presidente de um grande banco tira outra conclusão da história. Como boa parte da fuga de dólares foi detonada pelos "bradies", diz ele, teria sido mais barato e eficaz o BC intervir em Nova York e sustentar o preço dos "bradies", no auge da crise. Se o Brasil quer globalizar seu mercado financeiro, conclui ele, então o BC também precisa aprender a ser globalizado.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

Texto Anterior: Ventos de 130 km/h fecham Rio/Niterói; Assaltantes atacam pedágio da Imigrantes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.