São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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História sem fim

JOÃO SAYAD

Os comunistas não acreditavam nas atrocidades de Stalin. Os judeus dos guetos da Europa Oriental não acreditavam que seriam exterminados em campos de concentração. O médico de "A Peste" de Camus não conseguia convencer ninguém sobre a epidemia que contaminava a cidade na Argélia.
Talvez tenha sido sempre assim. Não chegamos à verdade por convergência gradual: o mundo é preto, o mundo é branco e, finalmente, o mundo é cinza.
Chegamos à verdade aos trancos e barrancos:
- o Sudeste da Ásia é o exemplo vivo do sucesso da solução neoliberal;
- não, o Sudeste da Ásia é exemplo do sucesso da estratégia intervencionista de políticas de desenvolvimento industrial, salários baixos e governos autoritários.
Vem a crise o parto doloroso da verdade.
Não nasce nada.
Uns apontam a crise das Bolsas como resultado normal de um sistema financeiro pouco saudável que investiu em imóveis muito caros.
Outros, como o sintoma evidente de que as coisas do mundo vão muito mal: pouco crescimento, muito desemprego e ações muito caras.
Os Estados Unidos vão muito bem, com baixos níveis de desemprego. Não, os Estados Unidos crescem muito lentamente com concentração de renda.
A Europa vai bem porque dá proteção aos trabalhadores com aposentadoria e assistência social e de saúde. Não, a Europa vai mal porque o mercado de trabalho é pouco flexível e perde competitividade para outros mercados com mão-de-obra mais barata.
O Brasil vai mal porque sobrevalorizou o câmbio, se endividou demais e se desindustrializou demais. Quando se instala a dúvida sobre o futuro dos países emergentes, ela contagia rapidamente todos os países endividados.
Não, o Brasil vai mal porque não demitiu 50 mil funcionários públicos, nem reformou a Previdência para investir ainda mais na Bolsa de Valores, que agora está impondo prejuízos aos aposentados.
Onde está a verdade?
Charles Chaplin vendeu as ações que tinha antes da crise de outubro de 1929. Como previu o que ia acontecer? "Lendo os jornais, estava tudo escrito nos jornais."
Em 1997, todos os jornais anteciparam a crise. A crise da Tailândia, o conselho de Greenspan, a capa da "Economist", onde um investidor se jogava da janela de um prédio.
Não era necessário ter informação de cocheira ou ser especialista. Bastava ler os jornais como Chaplin.
Talvez não baste ler jornais. É preciso sensibilidade de artista para ler e acreditar.
Estamos muito longe de qualquer fim de história. Uns continuarão dizendo que estamos vivendo períodos gloriosos da globalização. Outros, que afundamos inevitavelmente. Uns vivem alegres, tagarelando em telefones celulares. Outros são mortos como moscas na Argélia, nas ruínas de Luxor ou nas ruas de São Paulo.
Insensíveis, estamos condenados ao eterno retorno dos que nunca aprendem nada.

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