São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Joaquín Cortes é o homem que faltava

LEONA CAVALLI
ESPECIAL PARA FOLHA

"Pasión Gitana", o show do bailarino e coreógrafo espanhol Joaquín Cortés é, ao mesmo tempo, uma evocação dos antigos rituais ciganos e um vislumbre do novo século; uma fusão de vários estilos que possibilita revelar um flamenco livre e audacioso.
Ele mesmo, o bailarino, também é isso. Sabiamente joga na mídia a imagem que reflete o que as mulheres desejam: a ousadia se ser masculino -o homem que é ao mesmo tempo touro e toureiro, adorador de mulheres!
É o que se ouve por toda a cidade, fazendo com que os ingressos estejam esgotados há semanas, antecipando um grande frenesi em torno de sua esperada presença.
Na platéia tem de tudo: senhoras e senhores, bonecas de vermelho, homens de preto; mulheres e mais mulheres; e um menino de 12 anos que ensaia palmas flamencas com dois velhinhos atrás de mim -é seu primeiro show, está excitadíssimo.
O bailarino com cara de cigano exala sensualidade antes mesmo de entrar em cena. A expectativa é de novidade, mas ninguém sabe direito quem vai chegar.
Palmas ansiosas do público. Cadê ele? Ninguém aguenta mais sua ausência, queremos vê-lo!
Abrem-se as cortinas, dez músicos: percussão, violino, flauta, guitarras, vozes em frente a um castiçal com sete velas.
Os tambores chamam. De repente, a platéia se iluminaaaahhhh!!! Ele vem chegando do meio do público, é nosso; peito nu e saia longa.
Sobe no palco, saúda os músicos. Recebe as dez bailarinas, que desfilam de calça e malha, suavemente. A festa começa. Todos brilham, expondo suas belezas.
Até que ele fica só e dança no silêncio, com humildade e uma certa pureza, dentro de seu corpo esguio de cavalo.
Conquista a nossa adoração, com a sinceridade de quem quer fazer muito bem. Transforma-nos em cúmplices.
Quando parece que vai acontecer... reveza a cena com o maravilhoso Cristobal Reyes, seu tio e mestre, que (re)quebra a expectativa, cheio de humor e malícia.
Entram novamente as bailarinas, espanholas esvoaçantes sem castanholas, com vestidos belíssimos, derramando alegria em ondas, enfeitiçando todos os cantos.
Até que, enfim, chega Joaquín!
Leva todos à excitação geral, no momento em que supera a si mesmo e passa a ser o que queremos o que ele seja: aquele que dá a virada e nos põe transe com seu bailado audacioso; joga, provoca, desce até a platéia, nos chama com seu fogo. É o homem que entrega corpo e coração, concentrado na sua explosão de energia; dá e recebe, generoso com a sua arte. Dança para cada uma das mulheres presentes. Os músicos, em êxtase, nos conduzem ao delírio de uma roda de ciganos, sem tempo nem fim.
Entre os aplausos apaixonados, quando Joaquín convida seus músicos para dançarem com ele, ouço o menino atrás de mim dizer: "Pô, o cara é bom mesmo!"
É o homem que faltava. Até que enfim!

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