São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 1997
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Vítima é o agressor aos olhos da imprensa

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Ao ler os comentários sobre a tentativa de assalto de que foi vítima João Paulo Diniz, tive a impressão de que o filho de Abílio Diniz, sócio majoritário do Grupo Pão de Açúcar, deve desculpas ao país.
Não tenho procuração para defender os Diniz nem qualquer ligação com eles. Mas as críticas dirigidas ao jovem empresário me causaram asco.
Ficou parecendo que João Paulo deve desculpas por ser rico; por ter tido o pai sequestrado e por ter sido assaltado.
Ora, ora. Coitadinho do ladrão, que se apresentou no farol como vendedor de flores e acabou crivado de balas.
Quem já teve um sequestro dentro de casa pode dizer: a síndrome de Estocolmo, que faz o sequestrado admirar o sequestrador, não acomete os parentes próximos da vítima.
Tive um tio, Vittorio Gancia, sequestrado na Itália pelas Brigadas Vermelhas. Na ação para libertá-lo, os "carabinieri" mataram a mulher do chefe da organização terrorista, Guiseppe Curcio. Minha família foi jurada de morte.
Meus primos tiveram de interromper os estudos e mudar de país. Fomos obrigados a pagar por caríssimos dispositivos de segurança, como blindar carros, e meu tio levou anos para se recuperar. Nada disso é muito agradável, garanto.
Meses depois do sequestro de Abílio Diniz, cruzei com seu irmão Alcides. Ele brincou, dizendo que o trauma do sequestro ainda era tão presente, que ele estava aceitando até passaporte da Zâmbia para passar uns tempos longe daqui.
Parece-me mais do que justificável que a família Diniz se faça proteger por guarda-costas profissionais.
Nos últimos meses, nada menos do que duas garotas com menos de 21 anos, filhas de conhecidos, foram sequestradas em São Paulo e mantidas, por mais de mês, em cativeiro.
A "Veja " chamou de "regressão medieval" João Paulo esperar para ser ajudado por seus seguranças e depois ir embora são e salvo.
Pois eu pergunto: se um cidadão da classe média, com porte de arma, tivesse reagido ao mesmo tipo de assalto e matado o bandido, será que a imprensa estaria tão indignada?
É certo que a violência não será coibida à base de milícias particulares. Mas tratar de truculento quem opta por se proteger dentro da lei é uma inversão de valores que só faz gerar desinformação e mais violência.

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