São Paulo, sábado, 29 de novembro de 1997
Próximo Texto | Índice

ANDANDO EM CÍRCULOS

A julgar pelo discurso oficial, as mudanças no pacote fiscal anunciadas ontem poderiam ser resumidas, do ponto de vista econômico, pela expressão popular "trocar seis por meia dúzia". Afinal, diz o Planalto, está mantida a meta de fazer o mesmo ajuste de R$ 20 bilhões anunciado inicialmente. Tudo se resumiria a acomodar pressões políticas e corrigir alguns erros menores.
Até certo ponto, essa retórica é convincente. Havia, de fato, medidas discutíveis do ponto de vista da equidade e mesmo da consistência com objetivos maiores da política econômica. Algumas partes do pacote original eram praticamente inócuas.
Era enfim necessária a revisão de medidas que, desde o início, davam a impressão de terem sido desenhadas sob o calor das pressões financeiras externas. A mudança no teto para operações de incentivo à cultura, por exemplo, era inócua do ponto de vista fiscal. Mesmo o ajuste na alíquota do IR pode ser enquadrado nesse terreno das correções marginais.
Nota-se igualmente uma oportuna volta para trás no caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre bens de capital. Afinal, o importante é evitar o consumo excessivo -usar a cunha fiscal tendo em vista conter importações.
Tributar o setor de bens de capital, porém, significaria interromper um processo incipiente de retomada de investimentos necessários até mesmo para aumentar a competitividade do país e, assim, estimular as exportações no médio e longo prazos.
Infelizmente, algumas das emendas não apenas pioram o soneto como introduzem considerável cacofonia num ambiente econômico que já não é dos mais tranquilizadores.
O anunciado recuo no corte de incentivos regionais é, por exemplo, uma concessão a pressões oportunistas. É o casuísmo em estado bruto, evidenciando as causas de tanta incongruência e mesmo iniquidade no sistema tributário brasileiro.
Adicionalmente, o único ponto em que o governo pretendeu inovar em relação às medidas anunciadas anteriormente representa um tiro no próprio pé, para utilizar uma outra expressão popular.
Parece que desde o início os tecnocratas olharam para o mercado financeiro procurando alguma forma de aumentar a carga tributária. A canhestra solução encontrada foi a modificação na tributação sobre aplicações de renda fixa apenas para residentes no Brasil.
Canhestra, em primeiro lugar, porque essa distinção entre residentes e não-residentes é, na prática, facilmente contornável, em especial pelos grandes investidores.
Além disso, sabe-se que foi como defesa contra as incertezas financeiras globais que o governo aumentou as taxas de juros. Tributar os ganhos proporcionados aos investidores locais significa portanto anular parcialmente aquele aumento.
Ficarão passivos os investidores assim tributados? Somente na hipótese, discutível, de serem eles incapazes de achar meios para fazer com que seus recursos saiam e voltem travestidos de "não-residentes".
Tecnicamente, o pacote revela que, embora a meta de ajuste continue a mesma, sua obtenção corre alguns riscos de se tornar menos eficiente.

Próximo Texto: O RECUO POLÍTICO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.