São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Passado acadêmico é ironizado

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

A crise global está permitindo que até o público original de Fernando Henrique Cardoso, o acadêmico, faça ironias antes impensáveis.
Exemplo mais simbólico: "O paradoxo é que Fernando Henrique Cardoso, que foi, tempos atrás, um grande teórico da dependência, tenha que enfrentar a reeleição com o estigma de uma política econômica que expôs o país a uma situação de dependência dos capitais internacionais".
É o que escreve Julio Argüelles Álvarez, professor de Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madrí, em artigo publicado quarta-feira no principal jornal espanhol, "El País".
É uma alusão ao trabalho acadêmico mais famoso de FHC, o livro "Teoria da Dependência".
Diagnóstico sombrio
Ironias à parte, o fato é que FHC volta a Londres, dez meses depois da estada anterior, em um ambiente muito menos favorável.
A melhor comparação está em uma única publicação, a revista "The Economist", que não poupou elogios a FHC nas duas visitas anteriores (95 e início de 97).
Agora, "The Economist", embora sem criticar FHC, trata do Brasil em três edições sucessivas, em termos bem mais sombrios.
Na primeira (15 de novembro), o título era "O Brasil se encaminha para a recessão".
Ilustrava o texto uma foto de FHC tendo ao fundo uma enorme bandeira brasileira. A legenda: "Cardoso, ordem, progresso -e estagnação".
Uma semana depois, o título era ainda mais duro: "O Brasil próximo do abismo". A ilustração mostrava quatro homens remando numa canoa prestes a cair numa queda d'água.
"The Economist" voltou a falar de Brasil na edição que começou a circular sexta-feira, em termos similares ("a economia vai afundar por pelo menos seis meses").
Mas o foco principal desta vez está dirigido para a incapacidade de a oposição a Fernando Henrique construir uma alternativa eleitoral viável.
Projeto incompleto
O tom do noticiário apenas reflete uma percepção mais generalizada, a de que o Brasil ainda é visto como um projeto incompleto, como o admite até a diplomacia brasileira.
O governo, aliás, nunca escondeu sua aposta em uma fase de transição, na qual a estrutura econômica se transformaria de tal forma que permitiria reduzir a hoje excessiva dependência de financiamento externo.
O problema é que a crise asiática encurtou os prazos da transição e mostrou que a dependência é dos capitais e também de seus voláteis humores.
"O Brasil se encontra à mercê das interpretações que façam de sua situação econômica os capitais internacionais e das turbulências que possam originar-se em outros países", escreve o professor espanhol Julio Argüelles Álvarez.
É por isso que, apesar dos elogios à rapidez com que o governo reagiu à crise, o "Financial Times" não tem certeza de que o governo possa evitar uma desvalorização desordenada do real.
E "The Economist" tampouco tem certeza de que o Brasil possa deixar de pedir socorro ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
(CR)

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