São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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'Perigo Erundina' fez SP se endividar, diz Pitta

VAGUINALDO MARINHEIRO

VAGUINALDO MARINHEIRO; MAURÍCIO RUDNER HUERTAS
EDITOR DE CIDADES

Segundo o prefeito, Maluf decidiu acelerar obras quando não tinha certeza que faria o sucessor e por temer ex-prefeita

MAURÍCIO RUDNER HUERTAS
A cidade de São Paulo tem uma dívida de R$ 9 bilhões, maior que seu próprio Orçamento, está com serviços paralisados, mas o prefeito Celso Pitta diz que isso já era esperado.
Esperado desde 96, quando, segundo Pitta, o então prefeito Paulo Maluf tomou a decisão "certa" de elevar as dívidas da cidade para concluir obras que garantiram sua eleição.
Afinal, havia um perigo maior. A volta da ex-prefeita Luiza Erundina, que, se reeleita, transformaria a cidade num canteiro de obras inacabadas.
"A decisão dele (de acelerar as obras) foi correta, porque naquela momento ele não estava seguro de que faria seu sucessor, porque eu estava com 2%, 3% das intenções de voto."
"A decisão se baseou no fato de que as minhas chances eram mínimas. E as pesquisas apontavam para a liderança da ex-prefeita Erundina. O que significava o risco para a cidade de ter aquele programa de obras descontinuado."
Além das dívidas de curto prazo herdadas, mais de R$ 1 bilhão, Pitta culpa também a queda na arrecadação e os governos federal e estadual, que não repassam verbas, pela difícil situação financeira da prefeitura.
Mas afirma que em março tudo estará resolvido, com a prefeitura voltando a investir. O problema é que em julho passado ele dizia que a situação estaria resolvida em outubro.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o prefeito concedeu na sexta, em seu gabinete.
*
Folha - O senhor chega ao final do primeiro ano de governo com uma imagem bem diferente daquela que Paulo Maluf deixou...
Celso Pitta - Mas essa comparação é injusta. O que precisa ser comparado é o início da gestão do Maluf com o início da minha.
Folha - Mas o eleitorado tinha uma expectativa de continuidade que esse primeiro ano frustrou.
Pitta - Eu acho que não. A linha mestra apresentada na campanha eleitoral foi mantida. O compromisso maior com a população, que é o setor social, representado pelo PAS, foi mantido. Foi dada prioridade ao setor educacional. Os projetos da área habitacional foram mantidos. Agora, é claro que não seria possível manter o ritmo de conclusão de obras que foi verificado no segundo semestre de 96. Aquilo foi uma excepcionalidade que decorreu de uma decisão política do ex-prefeito Paulo Maluf de concluir até o fim de seu mandato aquelas obras que foram iniciadas na gestão Jânio Quadros e que ficaram paradas na gestão Erundina.
Essa decisão de acelerar as obras, correta, estratégica, se baseou no fato de que, em meados do ano passado, quando começou a campanha para a sucessão, as minhas chances eram mínimas. Eu estava na vizinhança de 2%, 3% nas pesquisas eleitorais. A decisão de concluir aquelas obras foi correta na medida em que a cidade já havia experimentado uma paralisação de quatro anos de muitas daquelas obras. E as pesquisas apontavam para a liderança da ex-prefeita Erundina. O que significava para a cidade um risco de ter aquele programa de obras descontinuado.
Claro que, concluída aquela fase, tivemos que tomar fôlego para nos adequar à disponibilidade financeira. E eu acredito que a sociedade considera correta a nossa disposição de tocar as obras de acordo com a disponibilidade financeira.
Folha - Mas essa aceleração de obras, que garantiu a eleição do senhor, trouxe esse efeito danoso que é o endividamento atual.
Pitta - O efeito é mais aparente do que profundo. Tudo o que está em ritmo lento ou parado é facilmente reacelerado ou retomado.
Folha - Mas há dinheiro?
Pitta - Terá. Mas isso eu respondo depois. Agora, era previsível que teríamos que reduzir o ritmo acelerado que foi registrado no segundo semestre de 96.
Folha - Previsível desde quando?
Pitta - Desde o momento em que aquela intensidade de obras não poderia ser mantida neste início de governo. Primeiro porque muitas delas, as principais, foram concluídas. E seria equivocado manter o volume de obras apenas para passar a impressão de ritmo acelerado, quando, na realidade, estaríamos piorando as finanças.
Folha - O senhor disse que a redução do ritmo da prefeitura em 97 para acomodação do caixa era previsível. Mas isso não foi dito ao eleitorado durante a campanha. Houve propaganda enganosa?
Pitta - Não. A campanha foi colocada em termos de quatro anos de mandato. Nós nem terminamos o primeiro. Além disso, não existe comparação na história de São Paulo com o que foi feito em 96 em matéria de investimento.
Folha - O senhor parece achar correto acumular obras e dívidas no último ano para fazer o sucessor.
Pitta - Não me force a fazer críticas à gestão do prefeito Maluf.
Folha - Não é isso. O senhor disse que o ano de 96 foi atípico, que foram muitas obras para garantir a eleição do senhor. Que a decisão foi tomada quando o senhor tinha 2% de intenção de votos...
Pitta - A opção (de acelerar as obras) foi correta. Mas não foi de caráter eleitoral. Foi de caráter administrativo. Havia a hipótese de um candidato da oposição vencer a eleição e a cidade ver repetido o que aconteceu nos quatro anos que antecederam a gestão Maluf (governo Erundina). A decisão do Maluf foi administrativa, e eu faria o mesmo no lugar dele.
Com a decisão de acelerar as obras, agora temos que administrar um momento de transição para colocar as finanças em ordem. Mas, entre isso e correr o risco de deixar a cidade um canteiro de obras inacabadas, como foi a situação que nós encontramos em 93, a decisão foi correta.
Folha - Quer dizer que, no ano 2000, o senhor também pretende encher a cidade de obras e dívidas para fazer seu sucessor?
Pitta - Não senhor. Primeiro porque tudo que está iniciado está dentro do cronograma de recursos disponíveis. Estamos tentando obter fontes adicionais de recursos para que esse cronograma seja abreviado.
Folha - Foi o senhor que disse que tomaria a mesma decisão tomada por Maluf, de acelerar as obras no final.
Pitta - Se eu me encontrasse na mesma situação em que ele se encontrava. Agora, você pode prever que vai acontecer em meados do ano 2000 o que aconteceu em 96? A realidade naquela época era que, se Paulo Maluf paralisasse as obras, a cidade é que iria pagar.
Folha - Iria pagar porque seria eleito outro prefeito?
Pitta - Não, porque as obras não iriam continuar.
Folha - Mas as obras poderiam ter sido feitas em um ritmo normal, com menos endividamento.
Pitta - Não houve um ritmo decorrente de um endividamento maior ou menor. Houve um ritmo adequado às circunstâncias, quando avizinhava se repetir em 97 o que ocorreu em 93. Esta cidade ficou paralisada por quatro anos. E, naquela época, meados de 96, eu tinha 2%, 3% da preferência do eleitorado.
Folha - O senhor volta a dizer que a decisão de acelerar as obras foi decorrente do risco de a ex-prefeita Erundina ganhar a eleição.
Pitta - O risco que Maluf tinha era não concluir aquelas obras em 96 e a cidade ter uma gestão que não se comprometesse com a continuidade. A decisão dele foi correta, porque naquele momento ele não estava seguro de que faria seu sucessor, porque eu estava com 2%, 3% de intenção de voto. Para São Paulo, foi a melhor solução.
Folha - Como a dívida da cidade chegou ao valor atual?
Pitta - O problema de ordem financeira se explica pelo volume de restos a pagar de um ano para o outro. De 95 para 96, os restos a pagar foram de R$ 500 milhões. De 96 para 97, foram de R$ 1 bilhão.
Agora você me pergunta por que houve o crescimento das dívidas de curtíssimo prazo. Isso aconteceu porque resolvemos manter o PAS. O melhor sistema de saúde público do país. E, por esse sistema ser bom, há uma migração de pacientes de outros sistemas públicos e da classe média que não está mais sendo atendida pela medicina privada.
O SUS (Sistema Único de Saúde, do governo federal) nos deve R$ 100 milhões. Se pagassem, muito contribuiriam para melhorar a situação de caixa da prefeitura. Além disso, estamos fazendo o reequilíbrio das contas "a frio", sem aumento de impostos.
Entretanto nós vamos virar o ano de 97 para 98 com restos a pagar imensamente inferiores aos registrados na virada de 96 para 97. Em outras palavras, estamos começando o ano de 98 numa condição de equilíbrio financeiro bastante satisfatória, cuja igualdade entre receita e despesa deve ocorrer até março.

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