São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mexicanos ainda sofrem os efeitos de 94

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
ENVIADA ESPECIAL AO MÉXICO

O México vai bem -tanto que o país poderá até se beneficiar com a atual crise mundial dos mercados financeiros-, mas os mexicanos vão mal.
Três anos depois que o país quase quebrou, o México está sendo poupado de ataques mais sérios dos investidores internacionais. A Bolsa mexicana caiu apenas 11% desde o início de outubro, quando começou o terremoto que derrubou cotações das ações em quase todo o mundo.
Com uma situação econômica mais equilibrada do que o Brasil ou do que a Argentina, os mexicanos podem mostrar resultados excelentes da política econômica adotada pelo presidente Ernesto Zedillo em 1995, como a inflação sob controle (deverá fechar em torno de 18% em 1997) e uma taxa de crescimento neste ano -de 7%- que provavelmente será recorde no continente.
A contrapartida desse quadro é que, até agora, a recuperação econômica "beneficiou apenas um em cada seis mexicanos, aquele cujo trabalho está de alguma forma ligado às exportações", reconhece Alejandro Valenzuela, assessor do Ministério da Fazenda.
A taxa de desemprego aberto voltou nos últimos dois meses para os níveis de 1994, mas o poder de compra dos assalariados continua achatado. O poder de compra do salário médio estaria ainda 25% abaixo do que era antes da crise mexicana.
"A crise dos últimos anos foi a mais severa desde a década de 20, embora o México tenha enfrentado três outras crises muito sérias nos últimos 20 anos", afirma Valenzuela.
O governo calcula que entre 14 milhões e 20 milhões de pessoas vivem atualmente abaixo da linha de miséria.
Eleições e dólares
Há três anos, a combinação de eleições presidenciais especialmente disputadas, dois assassinatos políticos de enorme repercussão e o movimento de revolta na região de Chiapas com uma série de problemas econômicos (como a excessiva dependência de recursos externos) provocou uma espécie de curto-circuito entre o México e os credores e investidores.
No final de 1994, o país se viu com reservas externas insuficientes para atender suas necessidades de pagamentos no exterior e teve que negociar um pacote de ajuda internacional, de cerca de US$ 50 bilhões, em que os EUA entraram com a maior parcela (US$ 20 bilhões).
O governo adotou, então, um programa econômico extremamente severo, cujos resultados foram a desvalorização do peso, a recessão e o aumento do desemprego durante o ano de 1995 e início de 1996.
Voltado para exportação, o plano surpreendeu pela velocidade com que começaram a aparecer resultados positivos, especialmente nas contas externas.
Hoje, o México tem desequilíbrios macroeconômicos muito pequenos. O déficit público é de apenas 0,5% do PIB.
"A economia mexicana está numa situação de razoável estabilidade se comparada com outros países emergentes e o mercado percebeu isso", comenta Arno Meyer, do Ministério da Fazenda brasileiro, que esteve duas vezes nos últimos meses no México.
Com isso, a atual crise dos mercados financeiros internacionais pode até estar sendo positiva para o México.
Até o início de outubro, muitos analistas consideravam que o peso mexicano estava sobrevalorizado com relação ao dólar norte-americano.
Com a crise, a moeda do país acabou se desvalorizando em cerca de 8%, o suficiente para incentivar um pouco mais as exportações, sem que isso representasse pressão sobre os índices de inflação, explica Mariano Ruiz-Funes Macedo, diretor do GEA (Grupo de Economistas y Associados).
Para Jorge Mariscal, vice-presidente para América Latina da Goldman Sachs, o México é "claramente" a melhor opção de investimento entre os países da América Latina, até porque é hoje mais ligado aos EUA do que à própria América Latina.
Esse panorama não indica, porém, que não existam problemas -graves- para o governo mexicano.
Na economia, um dos mais sérios é o ainda frágil sistema bancário, abalado pela crise de 94.
O governo mexicano criou uma espécie de Proer (o programa de recuperação dos bancos brasileiros), cujo custo alcança, em valores presentes, 12% do PIB (Produto Interno Bruto) mexicano.
Na política, o desafio do presidente Zedillo é fazer com que os benefícios da recuperação cheguem à população sem que fiquem comprometidas as metas de equilíbrio das contas governamentais e de controle da inflação.
"Temos que tentar evitar a adoção de medidas populistas nessa segunda metade do governo Zedillo", diz Valenzuela.
Marcas da crise
Atualmente, não é preciso olhar as estatísticas sobre desemprego e salário para notar que o impacto da crise continua marcando a Cidade do México.
Nas ruas do centro -onde moram e trabalham as pessoas de classe média e alta-, é muito grande o número de crianças e adultos pedindo esmolas ou tentando ganhar algum trocado limpando pára-brisa de automóveis.
Também cresceu muito o número de ambulantes na cidade. Segundo o governo do Distrito Federal (o equivalente à prefeitura da Cidade do México), o número de ambulantes mais do que duplicou desde 1995, chegando hoje em dia a 150 mil. A associação dos ambulantes afirma que eles são 500 mil.
Outro indício da crise mexicana é o aumento do número de crimes, como confirma o governo do Distrito Federal.
Entre 1994 e 1995, o número dos chamados crimes graves, como assalto com uso de arma, cresceu 52% e em 1996, mais 15%.
No interior do país, continuam os problemas na região de Chiapas. Apenas na primeira semana de novembro, houve três ataques a religiosos na região, com duas mortes.

Texto Anterior: Fundos de 60 dias perdem R$ 8,2 bilhões
Próximo Texto: Exportação sobe 80% e atingirá US$ 110 bi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.