São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Desigualdade e crescimento econômico

BERNARDO KLIKSBERG

A América Latina é considerada a região do mundo onde há a maior desigualdade. Para medir as discrepâncias na distribuição de renda, usa-se o chamado índice de Gini. O da América Latina é o maior do planeta; já superou o da África e está aumentando.
Além da desigualdade na distribuição de renda, a região exibe agudas diferenças na distribuição de ativos, no acesso ao crédito e nas possibilidades de receber educação de boa qualidade.
Nesse último setor, a desigualdade se mostra cada vez maior. A população cursa, em média, apenas 5,2 anos de escola -entre os pobres, o número é ainda menor. Há mais crianças que desistem da escola ou repetem de ano nas regiões mais pobres.
Essas grandes discrepâncias, além de levar à exclusão social de enormes segmentos, gerando pobreza e miséria, têm outros efeitos regressivos.
Hoje está acontecendo, em nível internacional, uma explosão de pesquisas sobre desigualdade e crescimento econômico que lançam por terra as teorias mais difundidas.
Estudiosos como Birdsall, Rossi e Sabot provaram, por cálculos econométricos, que a desigualdade obstruiu as possibilidades de crescimento latino-americanas.
Analisando os "tigres asiáticos" e a América Latina nos últimos 40 anos, demonstraram que, nos primeiros, houve uma diminuição contínua das desigualdades, crucial para a obtenção de altas taxas de crescimento econômico. Na região latino-americana, nesse mesmo período, a desigualdade aumentou, com prejuízos para o crescimento.
Benabou enumera 13 estudos de campo recentes que indicam os efeitos negativos da desigualdade sobre o crescimento. Ravallion (Banco Mundial, 97) conclui que, se a desigualdade é alta mesmo quando há condições favoráveis ao crescimento, este não se produzirá, e será muito difícil reduzir a pobreza.
Deininger e Squire (Banco Mundial, 96) mostram como grandes desigualdades na distribuição do ativo terra levam a taxas de crescimento muito baixas. Birdsall e Londoño ("American Economic Review", 97) assinalam que "uma distribuição desigual de ativos, especialmente do capital humano, afeta o crescimento em geral".
Todos esses novos estudos coincidem no seguinte ponto: estava errada a teoria que estabelecia que, se havia desigualdade, haveria acumulação, poupança e investimento e, depois, tudo melhoraria.
Joseph Stiglitz, ex-chefe da assessoria econômica do presidente dos EUA, Bill Clinton, sustenta que essas premissas são falsas e salienta: "Há relações positivas entre crescimento e igualdade".
Numerosas pesquisas recentes mostram que o aumento da igualdade favorece a estabilidade política e macroeconômica, é decisivo para que um país atraia novas tecnologias (por requerer mão-de-obra qualificada) e pode ampliar a poupança interna, além de muitos outros efeitos positivos.
Birdsall, Pinckney e Sabot (BID, 96) ressaltam que suas análises de poupança e investimento "sugerem que os pobres podem ser um motor do crescimento". Também destacam que assegurar o crescimento a partir "de baixo" (melhorando as condições dos setores desfavorecidos) "não é uma questão de altruísmo, e sim de auto-interesse inteligente".
Birdsall considera ser possível "que as taxas de crescimento da América Latina não ultrapassem 3% ou 4% se não contarem com a participação e a contribuição de metade da população, incluída nos estratos de renda mais baixa".
Essas conclusões indicam que a redução das desigualdades, além de ser fundamental para uma sociedade e básica para uma democracia, é estratégica para a obtenção de desenvolvimento real e sustentado.
Ela contrasta com as características da América Latina como região mais desigual do mundo e com as tendências ao agravamento dessas desigualdades no subcontinente.
O tema da desigualdade não pode continuar sendo marginalizado ou escondido. Deve, ao contrário, colocar-se no centro dos debates sobre desenvolvimento.

Tradução de Rogério Ortega

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