São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Substituição de importações volta a ter valor

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No célebre texto em que teorizou sobre o que seria o novo modelo de desenvolvimento brasileiro, comparando o preço de bananas com as taxas de câmbio, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, engrossou o coro de críticas à chamada industrialização com substituição de importações. Esse coro está começando a desafinar.
Franco denunciava a associação entre concentração de renda e substituição de importações, no "marco de um processo mais amplo de exaustão do modelo de crescimento por substituição de importações" (SI). Dizia que se pode atribuir a desigualdade à "própria mecânica do modelo de crescimento através da SI". Em nota de rodapé, afirmou ser esta uma "simples e avassaladora verdade".
Franco não está sozinho, pois essa rejeição tornou-se parte de um credo quase generalizado desde o final da década de 80. E isso torna ainda mais relevante um texto que acaba de ser distribuído pela Unctad (órgão da ONU para comércio e investimento).
Seu autor, Dani Rodrik, é da Universidade de Harvard. Em palestra na sede da Unctad, em Genebra, no dia 24 de outubro, ele começa confessando que nunca havia lido a obra de Raul Prebisch.
Participava da comunhão liberal que rejeita a teoria da industrialização pela substituição de importações sem ter lido a obra de um autor fundamental.
Rodrik tirou o atraso e foi ler os textos clássicos do estruturalismo latino-americano. Chegou à conclusão de que as leituras contra a SI foram não apenas de segunda mão, ignoraram não apenas detalhes relevantes, mas chegaram ao ponto de "internalizar as lições erradas" sobre as experiências dos países que adotaram a estratégia tanto na América Latina quanto em outras regiões.
A leitura correta
Para o professor de Harvard, a SI funcionou bastante bem por cerca de duas décadas. Sua crise, nos anos 70, deveu-se a razões externas e não a defeitos intrínsecos ao modelo. E, mais importante, o tamanho do estrago no modelo deveu-se principalmente ao grau de organização e negociação dos conflitos sociais em cada país.
Quase invertendo a causalidade, seria então o caso de dizer que é o tipo de sociedade que determina o alcance da SI e não a SI que impede a superação das injustiças sociais. Ou seja, o problema estaria menos em políticas comerciais e industriais e mais no tipo de instituições e conflitos sociais em cujo contexto a crise veio instalar-se.
Em poucas palavras: "não é o grau de abertura que interessa, mas a forma como cada sociedade consegue lidar com ela".
Se Rodrik estiver certo, o mais importante não é aceitar ou rejeitar a globalização, mas como se promove a integração aos circuitos globais. Assim, tanto Gustavo Franco quanto boa parte de seus críticos estariam discutindo o acessório e determinado, quando o correto é avaliar o essencial e determinante. E a fraqueza das instituições domésticas para a administração dos conflitos, na América Latina, aparece aos olhos de Rodrik como a deficiência principal.
Segundo esta visão para lá de heterodoxa do desenvolvimento, os sistemas de proteção social europeus e asiáticos são uma vantagem competitiva, ao contrário do que tanto se apregoa. E a SI passa a merecer uma reavaliação mais serena.

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